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sexta-feira, 9 de maio de 2014

A bisavó - Rubens Alves!


Minhas netas:hoje é o dia das mães. Vou falar sobre a minha mãe, sua bisavó, que vocês não chegaram a conhecer. Ela morreu antes de vocês nascerem.
Para falar sobre a minha mãe eu vou dar uma explicação inicial. Gosto de escrever. Especialmente para crianças. Tanto para crianças como vocês quanto para as crianças que moram, escondidas, dentro dos adultos. Se eles deixassem as crianças que moram neles sair do lugar onde estão presas, eles poderiam brincar e ficar mais bonitos.
Escrevendo, eu uso sempre “metáforas“. O nome é difícil mas é fácil explicar. Metáfora é quando, olhando para uma coisa, a gente vê outra. Neruda, poeta, olhou para uma cebola e viu que ela se parecia com uma “rosa de água com escamas de cristal!“. Ora, cebola é cebola. Não é rosa. Mas o poeta viu, na cebola, uma rosa. Cecília Meireles pensou sobre a vida dela e viu um barco navegando por um mar sem fim. Ora, a vida não é um barco navegando. Mas a poeta viu, na própria vida, um barco a navegar no mar azul…
Pois eu vou usar uma metáfora que vocês, a princípio, não entenderão – mas entenderão, porque toda criança tem olhos e imaginação de poeta: no tempo da minha mãe, sua bisavó, as mulheres eram como árvores. Agora, elas se parecem com pássaros…
As mulheres, nos tempos antigos, nos tempos da minha infância, eram árvores.
No meu sítio, lá em Pocinhos do Rio Verde, tenho árvores plantadas para todos os meus amigos que morreram.
Para o meu pai, escolhi uma laranjeira. Meu pai adorava chupar laranjas. Ele ia descascando as laranjas com incrível técnica, sem jamais ferir a laranja. Laranja com casca ferida é ruim de chupar. As cascas inteiras, ele ia pendurando no braço esquerdo. Cascas de laranja, secas, são um combustível maravilhoso.
Para minha mãe plantei um pé de camélia. Camélias são flores lindas – tão perfeitas, algumas brancas, outras vermelhas.
Disse que antigamente as mulheres se pareciam com árvores. As árvores não saem do lugar. Crescem onde plantamos. Indefesas. Não reagem, não fogem, não gemem – nem mesmo quando são cortadas a machado.
Pois assim eram as mulheres: nasciam e pelo resto de suas vidas teriam de obedecer aos homens. Primeiro, tinham de obedecer as ordens do pai. Depois, tinham de obedecer as ordens do marido.
Na verdade, nem antes de casar elas estavam livres. Estavam à mercê da vontade dos pais. Era o pai que decidia se ela devia se casar, quando e com quem. E nem tinham a liberdade de se decidir por uma profissão. Lugar de mulher era na casa, no fogão, na máquina de costura. As mulheres não eram donas do seu corpo, não mandavam no seu destino. Árvores à mercê da vontade do jardineiro, sem poder fugir… Como gostariam de ser pássaros, e voar para longe, longe…
Não podendo ser pássaros, as árvores dão flores. Flores são os pássaros das árvores. Flores são voos que não conseguiram voar e se cristalizaram em beleza e perfume. Quem dá uma flor a alguém está lhe dando um desejo de voar.
Minha mãe era uma árvore que queria voar e não podia. Aí, como a camélia, ela começou a dar flores. As flores que minha mãe dava apareciam sob a forma de música. Menino, eu a ouvia estudando piano horas seguidas. Enquanto tocava piano ela voava pelo mundo da beleza que nem pai e nem marido podiam impedir: a alma é livre.
Minha mãe era uma camélia mansa cujas flores eram a música.
Outro jeito que as mulheres-árvores tinham de florir eram os filhos. Se elas não podiam voar de verdade, voavam imaginando os filhos voando. Viviam uma vida simples, modesta, sempre plantadas no chão – e eram sempre uma sombra e um colo onde os filhos tristes encontravam conforto. Especialmente nas coisas gostosas que só as mães sabiam fazer na cozinha. Fazer o prato predileto do filho: era o jeito que elas tinham de dizer às noras: “Você nunca tomará o meu lugar!“
Claro, havia umas mulheres revoltadas por não poder voar. Viravam cactos, só espinho. E os filhos sofriam. Minha avó era assim – que Deus a tenha. Mas não minha mãe, que aprendeu ternura com uma velha escrava chamada Iáiá. Por vezes as mães verdadeiras não são as mães de barriga – são as mães de coração.
As mulheres, hoje, se cansaram de viver para fazer vontade de pai e de marido. Estão se transformando em pássaros: querem voar – determinar o seu destino, ser donas de suas vidas. Liberdade: esse é um direito de todo ser humano.
Quando vocês tiverem a minha idade e forem escrever sobre suas mães, ao invés de dizer que elas eram árvores, vocês dirão que elas eram pássaros! E como os pássaros são belos no seu voo! Podem ser suaves como as gaivotas ou terríveis como os gaviões… Mas mesmo os pássaros precisam de uma árvore onde descansar e fazer os seus ninhos…
Dicas:

Um comentário:

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