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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

VISITA EPISCOPAL - REGIÃO DE LONDRINA



De 10 a 12 de fevereiro na Região Patoral de
Londrina esteve presente nosso Bispo Diocesano. Foi uma a visita de Partilha de experiências, Celebrações e reuniões. O Bispo visitou 3 comunidades, Maringá, Lerroville e a
Paróquia São Lucas.

Confira as fotos:











Confira as fotos:

Visita Episcopal na Região de Londrina

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Ser fraterno com os doentes - Liturgia


AMBIENTE: Bíblia, fotografias de pessoas enfermas, vela, óleo de oliva e vinho.

DEUS NOS CHAMA E NOS REÚNE

Animador: Sejam todos bem vindos e bem vindas ao nosso encontro de reflexão sobre o tema da Campanha da Fraternidade da ICAR 2012.
Hoje, queremos refletir sobre a fraternidade com os nossos irmãos e irmãs enfermos. Iniciemos cantando:

Canto: "Eis o tempo de conversão, eis o dia da salvação! Ao pai voltemos, juntos cantemos, eis o tempo de conversão"

DEUS NOS FALA

Leitor 1: Este serviço foi suscitado pelo Espírito de Deus, como se deduz do fato de terem escolhido para a diaconia sete homens "cheios do Espírito Santo" (cf. At 6,1-6). Este serviço espiritual conduz à autêntica fé cristã, a uma sensibilidade especial em relação aos sofrimentos humanos, como também a ações concretas para aliviar os sofrimentos e suprir as necessidades dos desprovidos. Socorrer o ser humano é um dever.

Leitor2: Desde os primórdios da Igreja, a caridade inspirou suas comunidades ao serviço dos adoecidos, pois a caridade como tarefa da Igreja encontra uma prática especialmente significativa no cuidado dos doentes. É bom frisar, no entanto, que a inspiração para este serviço é o próprio Cristo.

OS ENFERMOS NO SEIO DA IGREJA

Leitor 1: "Quem permanece por muito tempo próximo das pessoas que sofrem, conhece a angústia e as lágrimas, mas também o milagre da alegria, fruto do amor". Com estas palavras, o Papa Bento XVI descreve uma experiência edificante no sofrimento. Na Igreja, os doentes evangelizam e recordam que a esperança repousa em Deus.

Leitor 2: Deste modo, no contexto eclesial, os doentes e os sofredores não se resumem a destinatários de atenções e de cuidados. Exercem o protagonismo na evangelização com um testemunho profundo, e do sofrimento aceito e oferecido, o milagre do amor.

Animador: Para escutar essa missão, vamos acender a vela e receber a Bíblia para a leitura do evangelho de Lucas 10,25-37.

(Momento de Reflexão após a leitura)

PARA CONVERSAR O que diz o texto? Recontar o texto lido O que o texto diz para mim?

O que o texto diz para nós? O que o texto me faz dizer a Deus? Minha oração, preces Contemplação (silêncio), assumir um compromisso

REFLEXÃO

Leitor 1: A parábola do Bom Samaritano nos lembra a condição de fragilidade humana, mas também indica que os seguidores de Jesus devem descobrir a importância do cuidado. Esse é, de fato, o apelo do texto evangélico: reconhecer a condição de fragilidade e de vulnerabilidade de todo ser humano e libertar do temor pela proximidade sanadora do outro.

Leitor 2: A fragilidade somente se cura mediante a proximidade daquele que se dispõe a cuidar do debilitado. Cuida-se da própria fraqueza quando se consente a proximidade do outro.

Animador: Essa atitude do Bom Samaritano é revelada em sete atitudes que podemos ter em relação aos doentes:

Leitor 1: VER - a primeira atitude do samaritano que descia pelo caminho foi enxergar a realidade. "Bom samaritano é todo homem que se detém junto ao sofrimento de outro homem, seja qual for o sofrimento".

Leitor 2: COMPADECER-SE - a percepção da presença do caído conduziu o samaritano à atitude de compaixão. "Bom samaritano é todo homem sensível ao sofrimento de outrem, o homem que se 'comove' diante da desgraça do próximo".

Leitor 1: APROXIMAR-SE - ao contrário dos que o antecederam, o viajante estrangeiro aproximou-se do caído, foi ao seu encontro, não passou adiante. Leitor 2: CURAR - a presença do outro exige cuidado. A aproxdimação, a compaixão não são simplesmente sentimentos benevolentes voltados ao outro.

Leitor 1: COLOCAR NO PRÓPRIO ANIMAL - Ele colocou a serviço do outro os próprios bens

Leitor 2: LEVAR À HOSPEDARIA - O samaritano não só viu, aproximou-se, curou, colocou no próprio animal, como também mudou o seu itinerário, adaptando-se para poder atender aquele necessitado. Recorreu ao "sistema de saúde" daquele tempo.

Leitor 1: CUIDAR - Esse é o sétimo verbo e expressa o conjunto da intervenção do samaritano. Trata-se de um cuidado coletivo, que envolveu outros personagens, recursos financeiros, estruturas que o viajante não dispunha e o compromisso de retornar.

DEUS NOS ESCUTA E NOS ALIMENTA

Animador: Rezemos, após cada invocação "Senhor, escutai a nossa oração"

Leitor 1: Que possamos ver a realidade dos sofredores, especialmente enfermos e anciãos, digamos:

Leitor 2: Que usemos de compaixão, a exemplo do bom samaritano no dia a dia da nossa existência e no contato com aqueles que sofrem, digamos:

Leitor 1: Para que a Campanha da Fraternidade aproxime a comunidade cristã daqueles que mais necessitam e realize o sonho de um mundo mais fraterno e justo, digamos:

Leitor 2: Que a presença de cada um de nós, com nossos dons e serviços, cure aqueles que pedem a nossa solidariedade, digamos:

Leitor 1: Que a nossa comunidade, e cada um de nós, coloquemos a serviço dos enfermos e dos familiares os próprios bens, digamos: Leitor

2: Para que os profissionais da saúde, médicos, enfermos, e cada um de nós, sejamos sensíveis e fraternos com os enfermos, digamos:

Leitor 1: Para que a sociedade inteira cuide da saúde pública do nosso país, promovendo vida para todos, digamos:

Jesus não conheceu uma vida fácil e tranquila - José Pagola

Por Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

ENTRE CONFLITOS E TENTAÇÕES

Antes de começar a narrar a atividade profética de Jesus, Marcos escreve estes breves versículos: "O Espírito levou Jesus para o deserto. Ficou no deserto quarenta dias deixando-se tentar por Satanás; vivia entre bichos, e os anjos serviam-no". Essas breves linhas são um resumo das experiências básicas vividas por Jesus até a sua execução na cruz.

Jesus não conheceu uma vida fácil e tranquila. Viveu impelido pelo Espírito, mas sentiu na Sua própria carne as forças do mal. A Sua entrega apaixonada ao projeto de Deus levou a viver uma existência desgarrada por conflitos e tensões. Dele temos de aprender a viver em tempos de prova.

"O Espírito levou Jesus para o deserto". Não o conduz a uma vida cômoda. Leva-o por caminhos de prova, riscos e tentações. Procurar o reino de Deus e a Sua justiça, anunciar Deus sem o falsear, trabalhar por um mundo mais humano é sempre arriscado. Foi para Jesus e será para os Seus seguidores.

"Ficou no deserto quarenta dias". O deserto será o cenário pelo que transcorrerá a vida de Jesus. Esse lugar inóspito e nada acolhedor é símbolo de prova e purificação. O melhor lugar para aprender a viver do essencial, mas também o mais perigoso para quem fica abandonado às suas próprias forças.

"Tentado por Satanás". Satanás significa "o adversário", a força hostil a Deus e a quem trabalha pelo Seu reinado. Na tentação descobre-se o que há em nós de verdade ou de mentira, de luz ou de trevas, de fidelidade a Deus ou de cumplicidade com a injustiça.

Ao longo da Sua vida, Jesus manter-se-á vigilante para descobrir "Satanás" nas circunstâncias mais inesperadas. Um dia rejeitará Pedro com estas palavras: "Afasta-te de mim, Satanás, porque os Teus pensamento não são os de Deus".

Nos tempos de prova temos de os viver, como Ele, atentos aos que nos podem desviar de Deus. "Vivia entre bichos, e os anjos serviam-no". As feras, os seres mais violentos da terra, evocam os perigos que ameaçaram Jesus. Os anjos, os seres melhores da criação, sugerem a proximidade de Deus que o abençoa, cuida e sustem. Assim viverá Jesus: defendendo-se de Antipas a quem chama "raposa" e procurando na oração da noite a força do Pai.

Temos de viver estes tempos difíceis com os olhos fixos em Jesus. É o Espírito de Deus o que nos está empurrando para o deserto. Desta crise sairá um dia uma Igreja mais humilde e mais fiel ao Seu Senhor.

Saúde, ética e espiritualidade - João Inácio Wenzel


Contam os anais da história que no antigo Oriente havia médicos contratados para cuidar da saúde da família. E quando alguém da família ficava doente, o médico deixava de receber salário, porque não estava fazendo bem o seu trabalho.

Quão distante ficamos desta visão holística da saúde em nossos tempos modernos! A saúde não é mais vista em sua integridade e integralidade. Ela é vista como ausência de doenças. A ênfase não está mais no cuidado da vida, das pessoas e do que nos envolve, mas em tratar doenças. Saúde virou mercadoria que se garante com planos de saúde. Na impossibilidade de pagar estes, se recorre ao SUS.

A saúde está compartimentada em mil e uma especialidades. Para cada doença um/a especialista. Cada qual sabe muito bem cuidar de determinadas doenças ou órgãos. Mas será possível tratar uma doença sem encarar as suas causas e a complexidade do jogo da vida e tudo aquilo que a envolve?

Felizmente os impulsos pela vida e os apelos em defesa e promoção da vida vêm resistindo e ganhando terreno a cada dia, quer seja pela recuperação do conhecimento de práticas de medicina popular de domínio comum, como a fitoterapia e a geoterapia, seja a valorização de novas práticas populares como a utilização da homeopatia e a introdução de ciências orientais, como a acupuntura.

Tal resistência também acontece no embate político, na compreensão do conceito de saúde e com a contribuição da bioética. A Organização Mundial da Saúde assume a seguinte conceituação: “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença”.

A diferença é enorme. Há uma preocupação não simplesmente com a doença física, mas também com as suas causas e o seu contexto social. Mas há um limite: O que se entende mesmo por “bem estar”? Poder aquisitivo, qualidade de vida, frequentar o shopping? Pode-se estar bem quando as pessoas a nossa volta estão mal? Fadigadas, estressadas, sempre correndo atrás de coisas e mais coisas, com medo de ser assaltada/o, violentada/o?

A concepção dialética da saúde e doença do médico panamenho José Renan Esquivel supera a visão parcelada e fragmentada do corpo humano, como vem apresentado no documento base da Associação Brasileira de Homeopatia Popular - ABHP: “Partimos do fato que a célula mais sã é a cé-lula com capacidade de defender-se dos vírus, tóxicos, bactérias e contra tudo que a agride, da mesma forma, o homem saudável deve organizar-se contra tudo o que o agride, vírus, bactérias, tóxicos, e até mesmo contra o próprio homem...”

“Para nós, o conceito de saúde atinge desde a menor célula do corpo até a grande organização da sociedade. Ora, se saúde é o ‘resultado das condições de organização de uma determinada sociedade’, na sociedade enferma em que vivemos - saúde não é bem-estar, saúde é luta.”

“Quando uma célula é incapaz de dar e receber, e de estabelecer contínuas trocas com o meio no qual vive, ela se deteriora. Se uma pessoa humana se fecha no seu mundo, sem distribuir, sem intercambiar, sem se relacionar, estará a caminho da loucura e da autodestruição...” Ao lado deste conceito que relaciona a saúde da pessoa com a saúde da sociedade e do planeta, ganha força outro paradigma que vem das tradições milenares dos povos indígenas da América Latina: o princípio do bem-viver e do viver bem, incluídos nas Constituições do Equador e da Bolívia em 2008 e 2009, e que pode ser traduzido como “vida em plenitude”.

“Quando se fala de vida em plenitude, está se fazendo uma referência a viver em harmonia entre o material e o espiritual, consigo mesmo e com a Mãe Terra. Em última instância, saber conviver com tudo o que nos rodeia, com a comunidade”, afirma Katu Arkonada (Revista IHU Online 340).

Neste conceito, o que importa não é ter a melhor casa, carro do ano, acesso aos últimos lançamentos, conforto, “qualidade de vida” como ter mais coisas, mas a capacidade de criar relações humanas de qualidade, geradoras de humanidades. Portanto, não dá para falar em saúde, em cuidar da própria saúde sem cuidar da saúde dos outros e da saúde do planeta.

Na Bíblia hebraica a palavra que mais se aproxima deste paradigma de bem-viver é a palavra shalom, geralmente traduzida por paz. Perguntar alguém como vai - como está o teu shalom – significa perguntar algo que tem a ver com a sua condição existencial, abrangente e integral, que inclui a saúde.

Jesus assumiu este shalom como missão: “Eu vim para que todos tenham vida plena” (Jo 10,10). As pessoas percebiam nele uma força dinâmica (dynamis) que cura e liberta. Uma força curadora que pode ser ativada pela fé. Ele mesmo dizia à pessoa restabelecida: “Tua fé te salvou”.

São pessoas populares que se põem em movimento para buscar o toque curador, por vezes intermediadas por pessoas da comunidade. Justamente as pessoas excluídas pelo convívio salutar da comunidade, com os leprosos e as mulheres com fluxos de sangue, eram as que recebiam mais cuidados e com quem expressava mais afeto e misericórdia.

Dizia-lhes, como traduz muito bem André Churaquy: “Em marcha os pobres em espírito..., em marcha os que choram...” Para Jesus, elas não são “pacientes” objetos de cura, e sim sujeitas do processo que interagem com o terapeuta. Houve um caso em que uma mulher conseguiu tocar suas vestes, sem ninguém notar, e ela sentiu-se curada.

Jesus também sentiu uma força dinâmica sair dele e quis saber quem a tocou. Quando ela se apresentou e contou tudo o que aconteceu em sua vida, Jesus a chamou de filha: “minha filha, a tua fé te salvou; vai em paz e estejas curada desse teu mal” (Mc 5,34). Jesus não queria apenas sua cura física, mas quis também a sua cura sociocultural. Quis devolvê-la à comunidade como exemplo de fé e de lutadora de dignidade.

O que Jesus fez não foi declinar um código moral, mas estabelecer novas relações com as pessoas que as restabeleceram por inteiro, beneficiando-as em sua saúde corporal, psíquica, social, cultural, política e religiosa. É assim que vive e se expressa a justiça divina ou, como diríamos hoje, sua ética terapêutica.

Hoje esta reflexão é avivada pela discussão dos princípios éticos, especialmente a bioética, como nos mostra José Antônio Ferreira num instigante artigo sobre o diálogo com as ciências da saúde (Bíblia e Saúde 1, 2009).

Há certo consenso entre princípios como a beneficência, a autonomia e a justiça. O primeiro vem do pai da medicina ocidental, Hipócrates de Cós (460-377 aC), que disse que a finalidade da medicina é “aliviar o sofrimento do doente, diminuir a violência das suas doenças...”. Esse princípio milenar da beneficência é complementado pelo segundo, da autonomia.

O médico não é mais o único sujeito que faz o diagnóstico e determina sozinho o tipo de tratamento que o “paciente” – objeto - deve sofrer, mas ambos, médico e pessoa adoecida são sujeitos autônomos que estabelecem uma relação de parceria e amadurecem juntos as decisões e as escolhas cabíveis, respeitando os direitos de cada um.

O terceiro princípio que ajuda a humanizar as relações é o da justiça.

Saúde é para todos e não somente para quem tem condições de pagar planos de saúde. Há, porém, um quarto princípio particularmente significativo para nós latino-americanos: o princípio da alteridade, o respeito à diversidade de gênero, de etnia, cor, sexualidade, de ciclista e pedestre... Pensar e agir a partir da vida dos pobres e excluídos e da situação de violência social que as pessoas estão submetidas é a única forma de não excluir ninguém. Princípio que também é estendido para o respeito à diversidade dos seres vivos e o respeito ao planeta Terra. Todas as espécies têm direito à vida.

Por último, um princípio que é caro aos cristãos, a sacralidade da vida humana, que vem da concepção de sermos “criados à imagem e semelhança de Deus”, assumidos pelo “Verbo que se faz carne e habitou no meio de nós”. Não há mais espaço para o sagrado separado da vida. No momento em que Jesus entregou o seu Espírito, “o véu do templo” que separava o santo dos santos, “se rasgou do alto a baixo”.

Agora sagrada é a vida. Há um fato narrado por Marcos que representa bem como Jesus aplicou este princípio ético na sua comunidade em Cafarnaum (Mc 3,1-6). Estava em meio à assembleia um homem da mão paralisada. Jesus o chamou para o meio, justamente onde se costumava ler e explicar a Sagrada Escritura. Depois de fazer a pergunta retórica se é permitido no sábado salvar a vida ou matar, pediu que ele estendesse a mão. Desta forma, Jesus colocou a Bíblia e o doente no mesmo patamar e sacralizou a vida humana.

Uma imagem que vem do hinduísmo, trazida a nós pelo jesuíta indiano Antony de Mello, pode nos ajudar a compreender a sacralidade da vida e de toda a criação. A terra é sagrada (Ex 3,5), a água é a sagrada (Jo 4,14), o ar é sagrado (1 Rs 19,12), o fogo é sagrado (At 2, 3). Diz a tradição hindu que “Deus dança a criação. Ele é o bailarino e a criação a dança. A dança é diferente do bailarino, e, no entanto, não pode viver sem ele.

No momento que o dançarino pára, a dança deixa de existir...” Não é Deus que precisa de nós, somos nós que precisamos Dele para seguir sendo a dança que cuida da vida, das pessoas, de si mesmo, da mãe terra...

Com Medellín, Deus passou pela América Latina. Com quem passa agora? Jon Sobrino


por Adital Notícias da América Latina e do Caribe

Reflexão para a Quaresma 2012

Os dez anos de Medellín (1968) a Puebla (1979) foram únicos na época moderna da Igreja Católica na América Latina, Depois, começou um declive ao que Aparecida (2007) quis colocar freio, apesar de que ainda temos muito que fazer.

Ao fazer essa avaliação, não nos fixamos na igreja tal como a analisam os sociólogos, mas nos fixamos na "passagem de Deus". Sem dúvida, é mais difícil calibrar; porém, toca a dimensão mais profunda da Igreja e ao serviço de que ela deve estar. Definitivamente, qual a contribuição que ela dá aos seres humanos e ao mundo como um todo. E, obviamente, temos que perguntar-nos "que Deus" é esse que passa pela história em um momento dado.

Medellín

Foi um salto qualitativo. Os pobres irromperam e, neles, Deus irrompeu. Foi um fato fundante que penetrou na fé de muitos e configurou a Igreja.

Surpreendentemente, para a assembleia de bispos, a prioridade não foi da igreja em si mesma; foi do mundo dos pobres e vítimas; isto é, da criação de Deus. Suas primeiras palavras proclamam a realidade do continente: "uma pobreza massiva produto da injustiça". Os bispos atuaram, antes de tudo, como seres humanos e deixaram falar a realidade que clamava aos céus. São os clamores que Deus escutou no Êxodo; o fizeram sair de si mesmo e, decididamente, entrou na história. Da mesma forma, com Medellín, Deus entrou na história latino-americana.

A partir dessa irrupção dos pobres e de Deus neles, Medellín pensou o que é ser Igreja, qual é sua identidade e missão fundamental e qual deve ser seu modo de estar em um mundo de pobres. A resposta foi "uma igreja dos pobres", semelhante à ilusão que tiveram João XXIII e o cardeal Lercaro. No Concílio, não prosperou; em Medellín, sim. A Igreja sentiu compaixão pelos oprimidos e decidiu trabalhar por sua libertação. Por muitos, com maior ou menor consciência explícita, foi acolhida como bênção. Por outros, foi percebida, com razão, como grave perigo.

Logo o poder reagiu. Em 1968, Nelson Rockfeller escreveu um relatório sobre o que estava acontecendo, e essa Igreja, nova e perigosa, tinha que ser debilitada e freada; o mesmo aconteceu no começo da administração Reagan. Oligarquias com o capital, com exércitos, esquadrões da morte, desencadearam uma perseguição contra a Igreja, desconhecida na história da América Latina. A perseguição reiterada deixou às claras a novidade e o evangélico que estava acontecendo: A Igreja de Medellín estava com o povo pobre e perseguido e teve a sua mesma sorte. Milhares foram assassinados, entre eles meia dezena de bispos, dezenas de sacerdotes, religiosos e religiosas, e uma multidão de leigos, mulheres e homens. Com limitações, erros e pecados, era uma Igreja muito mais casta do que meretriz; muito mais evangélica do que mundana.

No interior da Igreja Católica, Paulo VI propiciou e animou essa nova Igreja; porém, altas personalidades da Cúria Romana e de outras cúrias locais a desqualificaram, trataram mal e injustamente a seus representantes, também a bispos e desenharam uma igreja alternativa, diferente e contrária, mais devocional, intimista, de movimentos, submissos a defensores da hierarquia. E o que teria que ser evitado era que a Igreja voltasse a entrar em conflito com os poderosos. A igreja popular, nascida ao redor de Medellín, crente e lúcida, de comunidades de base, que vivia a pobreza do continente, sofreu a dupla perseguição do mundo opressor e, com alguma frequência, da própria igreja.


Uma Igreja assim foi testemunha e seguidora de Jesus de Nazaré. Encarnada, defensora e companheira dos pobres; carregava a cruz e, com frequência, nela morria. Anunciou a Boa Notícia, como Jesus na Sinagoga de Nazaré. Teve seus "doze apóstolos", os Padres da igreja latino-americana, com Dom Helder Camara, um dos pioneiros; com Enrique Angelelli, Dom Sergio Méndez Arceo, Leonidas Proaño, Dom Romero, pastor e mártir do continente e outros. Chegou a ser ekklesia, na qual mulheres e homens, religiosas e leigos, latino-americanos e estrangeiros chegaram a formar corpo eclesial, uma grnade comunidade de vida e missão. Entre os de casa e os de longe, gerou-se uma solidariedade nunca vista. Cresceu a esperança e o gozo. E do amor dos mártires nasceu uma brisa de ressurreição, alheia a toda alienação, que voltava a remeter à história para nela viver como ressuscitados.

Nessa Igreja, soprava o Espírito, o espírito de Jesus e o espírito dos pobres. Esse espírito inspirava oração, liturgia, música, arte. E também inspirava homilias proféticas, cartas pastorais lúcidas, textos teológicos de casa; não textos simplesmente importados que não haviam passado pelo crisol de Medellín.

No centro de tudo estava o evangelho de Jesus. Lucas 4,16: "Eu vim para anunciar a boa notícia aos pobres, para libertar os cativos". Mateus 25,36-41: "Tive fome e me deram de comer". João 15,13: "Ninguém tem mais amor do que o que dá a vida pelos irmãos". E Jesus de Nazaré, o crucificado ressuscitado, Atos dos Apóstolos, 2,23: "A quem vocês mataram, Deus devolveu à vida". E agora?

Pesquisas, estudos sociológicos e antropológicos, econômicos e políticos oferecem dados e explicações sobre a Igreja Católica e outras igrejas cristãs. Nos dizem se subimos ou baixamos em número e em fluxo na sociedade. A partir dessa perspectiva, nada tenho que acrescentar. E estritamente falando, tampouco é minha maior preocupação qual será o futuro do que chamamos "Igreja", apesar de que nela tenho vivido e vivo, e me acostumei a pertencer à família.

O que me interessa e alegra é que "Deus passe por esse mundo". E a razão é simples. O mundo está "gravemente enfermo", dizia Ellacuría, "enfermo de morte", diz Jean Ziegler. Isto é, necessita de salvação e cura. Por isso, como crente e como ser humano, desejo que "Deus passe por esse mundo", pois essa passagem sempre traz salvação às pessoas e ao mundo em seu conjunto. Tivemos a sorte de sentir essa passagem de Deus com Medellín, com Dom Romero, com muitas comunidades populares. Com muitas pessoas boas, simples, em sua maioria. Com uma plêiade de mártires. E também, apesar de que isso só se pode sentir "em um difícil ato de fé", como dizia Ellacuría ao explicar a salvação que traz o servo sofredor de Isaías, com o povo crucificado.

Como estamos hoje? Seria cometer um grave erro cair em simplismos sobre coisas tão serias. Seria injusto não ver o bom que, de muitas formas, existe nas igrejas. E seria arrogante não tentar descobri-lo, apesar de que, às vezes, se esconda por trás de uma capa que não remete com clareza a Jesus de Nazaré. De todo modo, a passagem de "Deus" sempre será mistério inescrutável, e somente com o máximo de respeito a todos os seres humanos podemos falar disso. Porém, com todas essas cautelas algo se pode dizer. Mencionaremos as realidades dos fieis e de suas comunidades; porém, temos em mente, sobretudo, às instâncias, altas em hierarquia, historicamente muito responsáveis pelo que acontece, e às que não se pode pedir contas com eficácia. Com simplicidade, dou minha visão pessoal.

De diversas formas, abunda o pentecostalismo, como forma de igreja distante dos problemas reais de vida e morte das maiorias, apesar de que traz ânimo e consolo aos pobres, o que não é desdenhar quando não têm onde apoiar-se para que sua vida tenha sentido - distinta é a situação em classes mais bem de vida. Prolifera um grande número de movimentos, dezenas deles, proliferam os meios de comunicação das igrejas, emissoras de rádio e TV, submissos em excesso a ideais e normas que provêm de cúrias, sem dar sensação de liberdade para que eles mesmos tomem em suas mãos o evangelho que anuncia a boa nova para os pobres, em forma de justiça, e sem suspeitar da necessidade de um estudo, reflexivo, minimamente científico, da Palavra de Deus, e, em geral, da teologia que o Vaticano II e Medellín propiciaram. Proliferam devoções de todo tipo, as de antes e as de agora. Jesus de Nazaré, o que passou fazendo o bem e morreu crucificado, é deixado de lado com facilidade em favor do menino Jesus, seja de Atocha, de Praga, o Deus menino, dito com grande respeito. Com facilidade se dilui o Jesus forte da Galileia, do Jordão; o profeta de denúncias ao redor do templo de Jerusalém em favor de devoções baseadas em aparições, com um transfundo sentimental e melífluo em excesso. Falando com simplicidade, a divina providência pode atrair mais do que o Pai de Jesus, o Filho que é Jesus de Nazaré, e o Espírito Santo, que é Senhor e doador de vida, e Pai dos pobres, como se canta no hino de Pentecostes.

Hoje, em seu conjunto, é difícil encontrar na Igreja a liberdade dos filhos e filhas de Deus, a liberdade ante o poder, que não por ser sagrado deixa de ser poder. Nota-se a excessivo servilismo e submissão a tudo o que seja hierarquia, o que chega a converter-se em medo paralisante. A partir das instâncias de poder eclesial, aponta o triunfalismo e o que chamo a pastoral da apoteose, multitudinária, midiática. Em muitos seminários, o discorrer e pensar são substituídos pelo memorizar. Nas reuniões do clero, pelo que sabemos, as perguntas, a discussão e o debate são substituídos pelo silêncio. As cartas pastorais dos anos 70 e 80 -verdadeiro orgulho das igrejas, que reverdecem de vez em quando, na Guatemala, por exemplo- são substituídas por breves mensagens, cheias de modos e comedidas, com argumentos tomados das últimas encíclicas do papa. O centro institucional não parece estar na América Latina, mas na distante Roma. Tudo isso está dito com respeito.

Como será a passagem de Deus pela América Latina e com quem passará está por ver-se, e, definitivamente, é coisa de Deus. Porém, é coisa nossa desejá-lo, trabalhar por isso e aprender a forma como se deu no passado, em Medellín.

Bom é saber e analisar os vai-e-vem dos fieis e o influxo das Igrejas na sociedade. Pelo que dizem os dados, em ambas as coisas, a Igreja Católica vai a menos. Porém, devemos ter presentes as raízes de cuja seiva tem vivido a passagem de Deus. E regá-la humildemente, com águas vivas.

Ainda estamos por ver o que acontecerá com nossa igreja e com todas as igrejas. Meu desejo é que, aconteça o que acontecer, seja para colocar-se a serviço da passagem de Deus por esse mundo, o Deus de Jesus, compassivo, profeta e crucificado. E o Deus doador de esperança.

Estas são as perguntas que sempre podemos fazer. Porém, quem sabe é bom fazê-las no começo da quaresma. Esse tempo nos exige resistência para caminhar rumo a Jerusalém. E nos oferece esperança de encontrar-nos com Jesus crucificado e ressuscitado.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

RETIRO DIOCESANO


Jovens e Clero da Diocese Anglicana de Curitiba tiveram um feriado de Carnaval diferente. De 18 a 20 de fevereiro estiveram reunidos em reflexão, Partilha e Espiritualidade na Cidade de Cascavel. Foram ricos momentos de troca de experiência entre jovens da cidade e jovens que vivem acampados na espera de assemtamento em Cascavel. Bíblia foi o Tema central do Retiro. Mas também aconteceram momentos fortes de Vigilia e celebrações.Em alguns momentos, Clero e jovens estam juntos e outros, refletiram separados.

Confira as Fotos:

RETIRO DIOCESANO

A Boa Nova é testada e provada no deserto (Mc 1,12-15) - Mesters e Lopes


Depois do batismo, o Espírito de Deus toma conta de Jesus e o empurra para o deserto, onde ele se prepara para a missão (Mc 1,12s). Marcos diz que Jesus esteve no deserto 40 dias e que foi tentado por Satanás. Em Mateus 4,1-11 se explicita a tentação: tentação do pão, tentação do prestígio, tantação do poder. Foram três tentações que derrubaram o povo no deserto, depois da saída do Egito (Dt 8,3; 6,16; Dt 6,13). Tentação é tudo aquilo que afasta alguém do caminho de Deus.

Orientando-se pela Palavra de Deus, Jesus enfrentava as tentações e não se deixava deviar (Mt 4,4.7.10). Ele é igual a nós em tudo, até nas tentações, menos no pecado (Hb 4,15). Inserido no meio dos pobres e unido ao Pai pela oração, fiel a ambos, ele resistia e seguia pelo caminho do Messias-Servidor, o caminho do serviço a Deus e ao povo (Mt 20,28).

ALARGANDO

A semente da Boa Notícia, o início do anúncio do Evangelho na América Latina

Marcos inicia dizendo como foi o começo. Você esperaria de Marcos uma data bem precisa. Em vez disso, recebe uma resposta aparentemente confusa. Para descrever esse começo, Marcos cita Isaías e Malaquias (Mc 1,2-3). Fala de João Batista (Mc 1,4-5). Alude ao profeta Elias (Mc 1,4). Evoca a profecia do Servo de Javé (Mc 1,11) e as tentações do povo no deserto, depois da saída do Egito (Mc 1,13). Você pergunta: "Mas afinal, o começo foi quando: na saída do Egito, no deserto, em Moisés, em Elias, em Isaías, em Malaquias, em João Batista?" O começo, a semente pode ser tudo isso ao mesmo tempo. O que Marcos quer sugerir é que olhemos a nossa história com outros olhos. O começo a semente da Boa Nova de Deus, está escondida dentro da vida da gente, dentro do nosso passado, dentro da história que vivemos.

O começo da Boa Nova na América Latina está escondido na resistência e no despertar das etnias indígena e negra, que buscam vida, dignidade e liberdade para todos. Resgatando a sua história e reconhecendo os valores éticos presentes na cultura do seu povo, os indígenas se unem aos descendentes afro e a todas as pessoas que sofrem injustiça e discriminação. As mulheres despertam como sujeito de um novo tempo, descontruindo velhos padrões de comportamento e gerando uma nova consciência.

No campo e na cidade o MST vem demonstrando uma nova capacidade de organização e articulação. Apesar da propaganda contrária da TV, revistas e jornais, o MST gera um debate nacional sobre pontos fundamentais para uma política agrícola. Surge uma nova sensibilidade ecológica e cresce a consciência de cidadania. O grande desejo de participação transformadora, que a discussão e debate dos problemas sociais vêm provocando, se expressa no voluntariado de jovens, pessoas desempregadas, aposentadas... Até mesmo daquelas que em meio ao trabalho e ao estudo ainda encontram tempo para entragar-se gratuitamente ao serviço dos outros.

A busca de novas relações de ternura, respeito, ajuda mútua e intercâmbio vem crescendo. Há uma indignação do povo frente à corrupção e à violência. Há algo que vai nascendo dentro de cada pessoa, algo novo, que não permite mais a indiferença diante dos abusos políticos, sociais, culturais, de classe e de gênero. Há uma nova esperança, um novo sonho, um desejo de mudança. Resgata-se a utopia de construir uma sociedade nova, onde haja espaço de vida e de participação para todas as pessoas.

O anúncio da Boa Nova de Deus na América Latina será realmente Boa Notícia se apontar para esta novidade que está acontecendo no meio do povo. Ajudar a abrir os olhos para essa novidade, comprometer as comunidades de fé na busca pela utopia é reconhecer a presença libertadora e transformadora de Deus agindo no dia-a-dia de nossa vida.

O povo da Bíblia tinha esta convicção: Deus está presente na nossa vida e na nossa história. Por isso, eles se preocupavam em lembrar os fatos e as pessoas do passado. Pessoa que perde a memória perde a identidade, ela já não sabe de onde vem nem para onde vai. Eles liam a história do passado para aprender a ler a história deles e descobrir dentro dela os sinais e os apelos da presença de Deus.

É o que Marcos fez aqui no início do seu evangelho. Ele tira o véu dos fatos e aponta um fio de esperança que vinha desde o êxodo, desde Moisés, passando pelos profetas Elias, Isaías e Malaquias, pelos servidores do povo, até chegar em João Batista, que aponta Jesus como aquele que realizará a esperança do povo.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Gerar vida e gerar morte - Ivone Gebara, Escritora, filósofa e teóloga


Espanta-me a facilidade como alguns clérigos e bispos afirmam poder distinguir com clareza as forças que geram vida e as que geram morte. Discorrem como se estivessem num campo de certezas. Nem percebem que opróprio uso dessas duas palavras principalmente nos seus discursos acalorados sobre a importância de escolhermos a vida conduz quase necessariamente adefender armadilhas de morte e provocar formas sutis de violência. O que é vida?O que é morte? É possível que a morte se sustente fora da vida e a vida fora damorte? Não somos nós vida e morte ao mesmo tempo? Não somos sempre aprendizes,caminhando trôpegos, dando um passo depois do outro nas escolhas diárias que tentamos fazer?

Faz algum tempo que a Igreja Católica no Brasil vem desenvolvendo uma linha equivoca de defesa da vida. Quando falam da defesa davida reduzem o termo vida a vida do feto humano e, assegurados da vida do feto esquecem-se de todos os outros aspectos e personagens reais da complexa teia da vida. Fico me perguntando de novo porque insistemnesse erro e nesse limite lógico condenado também de muitas maneiras pelos muitos filósofos e teólogos da Tradição Cristã. Distanciam-se até das últimasreflexões de Bento XVI que com justeza discorre sobre a complexidade da vida no universo incluindo-se a vida humana.

Espanta-me constatar mais uma vez a pouca formação filosófica e teológica de parte do episcopado e de muitos clérigos que se arvoram a defender a vida, mas atiram pedras em pessoas que consideram"mal-amadas” só por defenderem um ideário diferente do seu. Por que "mal-amada”ou "mal-amado” seria uma forma de menosprezar ou diminuir as pessoas? O que defato querem dizer com isso?

Não somos todos nós necessitados de amor? Não é o amora missão cristã? Não é para os desprezados, esquecidos e mal-amados que oCristianismo diz manter sua missão a exemplo de Jesus? É desconcertante perceber que usam expressões desse tipo e instrumentalizam a mensagem cristã para afirmar desacordos de posições, como o fez D. Benedito Simão, bispo deAssis e Presidente da Comissão pela vida do Regional sul I da CNBB. Em entrevista ao Grupo Estado de São Paulo na semana passada, por ocasião da escolha da Professora e Doutora Eleonora Menicucci como ministra da Secretariade Políticas para Mulheres o referido bispo classificou a nova ministra de "mal-amada”e, com isso desrespeitou-a e incitou ao desrespeito e à falta de diálogo emrelação à responsabilidade pública de enfrentar os sérios problemas sociais.

Seria o bispo então um privilegiado "bem-amado”? Apartir de que critérios?

O desrespeito às histórias e escolhas pessoais, àsmuitas dores e razões de muitas mulheres torna-se moeda corrente em muitasIgrejas cristãs que se armam para uma chamada "guerra santa” sem a preocupação de aproximar-se das pessoas envolvidas em situações de desespero. Usam sua autoridade junto ao povo para gritar palavras de ordem e em nome de seu deus confundir as mentes e os corações.

Perdeu-se a civilidade. Perdeu-se o desejo de consagração à sabedoria e ao bom senso. Perdeu-se a escuta aos acontecimentos eà aproximação respeitosa das dores alheias. Apenas se responde a partir de PRINCÍPIOS e de pretensa autoridade. Mas, o que são os princípios fora da vida cotidiana das pessoas de carne e osso? Qual é o teto dos princípios? Quem os estabelece? Onde vivem eles? Como se conjugam nas diferentes situações da vida? O convite ao pensamento se faz absolutamente necessário quando as trevas da ignorância obscurecem as mentes e os corações. Nesse momento crítico de descrença em relação a muitos valores humanos, as atitudes policialescas de um ou mais bispos, de clérigos e pastores assim como de alguns fiéis nos apavoram. A ignorância das próprias fontes do Evangelho e a instrumentalização da fé dos mais simples nos espantam. A democracia real está em risco. A liberdade está ameaçada pelo obscurantismoreligioso.

De nada servem palavras como diálogo, escuta, conversão,solidariedade, respeito à vida quando na prática é a violência e a defesa deidéias pré-concebidas que parecem nortear alguns comportamentos religiosospúblicos. Seguem esquecendo que não se deve tomar Deus em vão. Não apenas seunome, pois isto, já o fazem. Tomar Deus em vão é tomar as criaturas em vão, selecionando-os,desrespeitando-as e julgando-as de antemão. Nós todas/os temos palhas e travesem nossos olhos e eu sou a primeira. Por isso, cada pessoa ou grupo apenas conseguever algo da realidade, que é sempre maior do que nós. Entretanto, se quisermos enxergarum pouco mais, somos convidadas a nos aproximar de forma desarmada dos outros.Somos desafiadas a ouvir, olhar, sentir, acolher, perguntar, conversar como seo corpo do outro ou da outra pudessem ser meu próprio corpo, como se os olhos eouvidos dos outros pudessem completar minha visão e audição. E mais, como se asdores alheias pudessem ser de fato minhas próprias dores e suas histórias devida minhas mestras. Só assim poderemos ter um pouco de autoridade comdignidade. Só assim nossa belas palavras não serão ocas. E, talvez, nessaabertura a cada dia renovada, poderemos acreditar na necessidade vital decarregar os fardos uns dos outros e esperar que a fraternidade e a sororidadesejam possíveis em nossas relações.

Fevereiro – 2012.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O homem leproso representa a solidão e o desespero de tantos estigmatizados - José Pagola


por Instituto Humanitas Unisinos (IHU) A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 1, 40-45, que corresponde ao 6º Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico.

O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

AMIGO DOS EXCLUÍDOS

Jesus era muito sensível ao sofrimento de quem encontrava no Seu caminho, marginalizados pela sociedade, desprezados pela religião ou rejeitados pelos setores que se consideravam superiores moral ou religiosamente. É algo que Lhe sai de dentro. Sabe que Deus não discrimina ninguém. Não rejeita nem excomunga. Não é só dos bons. A todos acolhe e bendiz. Jesus tinha o hábito de levantar-se de madrugada para orar. Em certa ocasião revela como contempla o amanhecer: "Deus faz sair o Seu sol sobre bons e maus". Assim é Ele.

Por isso, por vezes, reclama com força que cessem todas as condenações: "Não julgueis e não sereis julgados". Outras, narra pequenas parábolas para pedir que ninguém se dedique a "separar o trigo e o joio" como se fosse o juiz supremo de todos.

Mas o mais admirável é a Sua atuação. O rasgo mais original e provocativo de Jesus foi o Seu hábito de comer com pecadores, prostitutas e gente indesejável. O fato é insólito. Nunca se tinha visto, em Israel, alguém com fama de "homem de Deus" comendo e bebendo animadamente com pecadores.

Os dirigentes religiosos mais respeitáveis não o puderam suportar. A sua reação foi agressiva: "Aí tendes a um comilão e bêbado, amigo de pecadores". Jesus não se defendeu. Era certo. No mais íntimo do Seu ser sentia um respeito grande e uma amizade comovedora para com os rejeitados da sociedade ou da religião.

Marcos recolhe no seu relato a cura de um leproso para destacar essa predileção de Jesus pelos excluídos. Jesus atravessa uma região solitária. De repente aproxima-se um leproso. Não vem acompanhado por ninguém. Vive na solidão. Leva na sua pele a marca da sua exclusão. As leis condenam-no a viver afastado de todos. É um ser impuro.

De joelhos, o leproso faz a Jesus uma súplica humilde. Sente-se sujo. Não lhe fala de doenças. Só quer ver-se limpo de todo estigma: «Se queres, podes limpar-me». Jesus comove-se ao ver a Seus pés aquele ser humano desfigurado pela doença e o abandono de todos. Aquele homem representa a solidão e o desespero de tantos estigmatizados. Jesus «estende a Sua mão» procurando o contato com a sua pele, «toca-lhe» e diz-lhe: «Quero. Ficar limpo».

Sempre que discriminamos a partir da nossa suposta superioridade moral a diferentes grupos humanos (vagabundos, prostitutas, toxicómanos, sidoticos, imigrantes, homossexuais...), ou os excluímos da convivência negando-lhes o nosso acolhimento, estamos a afastar-nos gravemente de Jesus.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Manter viva a consciência da missão! (Mc 1, 40-45) Mesters e Lopes


NÃO VOLTAR ATRÁS NO ANÚNCIO DA BOA NOVA

MANTER VIVA A CONSCIÊNCIA DA MISSÃO

Extraído do livro Caminhando com Jesus, de Carlos Mesters e Mercedes Lopes.

Nos versículos 16 a 45 do primeiro capítulo, Marcos descreve o objetivo da Boa Nova e a missão da comunidade, apresentando oito critérios para as comunidades do seu tempo poderem avaliar a sua missão. Tanto nos anos 70, época em que Marcos escreveu, como hoje, época em que nós vivemos, era e continua sendo importante ter diante de nós modelos de como viver e anunciar o Evangelho e de como avaliar a nossa missão

COMENTANDO

Mc 1, 40-42: Acolhendo e curando o leproso, Jesus revela um novo rosto de Deus

Um leproso chega perto de Jesus. Era um excluído. Devia viver afastado. Quem tocasse nele ficava impuro também! Mas aquele leproso teve muita coragem. Transgrediu as normas da religião para poder chegar perto de Jesus. Ele diz: "Se queres, podes curar-me!" Ou seja: "Não precisa tocar-me! Basta o senhor querer para eu ficar curado!" A frase revela duas doenças: 1) a doença da lepra que o tornava impuro; 2) a doença da solidão a que era condenado pela sociedade e pela religião. Revela também a grande fé do homem no poder de Jesus. Profundamente compadecido, Jesus cura as duas doenças. Primeiro, para curar a solidão, toca no leproso. É como se dissesse: "Para mim, você não é um excluído. Eu o acolho como irmão!" Em seguida, cura a lepra dizendo: "Quero! Seja curado!" O leproso, para poder entrar em contato com Jesus, tinha transgredido as normas da lei. Da mesma forma, Jesus, para poder ajudar aquele excluído e, assim, revelar um rosto novo de Deus, transgride as normas da sua religião e toca no leproso. Naquele tempo, quem tocava num leproso tornava-se um impuro perante as autoridades religiosas e perante a lei da época.

Mc 1, 43-44: Reintegrar os excluídos na convivência fraterna

Jesus não só cura, mas também quer que a pessoa curada possa conviver. Reintegra a pessoa na convivência. Naquele tempo, para um leproso ser novamente acolhido na comunidade, ele precisava ter um atestado de cura assinado por um sacerdote. É como hoje. O doente só sai do hospital com o documento assinado pelo médico de plantão. Jesus obrigou o fulano a buscar o documento, para que ele pudesse conviver normalmente. Obrigou as autoridades a reconhecer que o homem tinha sido curado.

Mc 1, 45: O leproso anuncia o bem que Jesus fez e ele e Jesus se tornam excluídos

Jesus tinha proibido o leproso de falar sobre a cura. Mas não adiantou. O leproso, assim que partiu, começou a divulgar a notícia, de modo que Jesus já não podia entrar publicamente numa cidade. Permanecia fora, em lugares desertos. Por quê? É que Jesus tinha tocado no leproso. Por isso, na opinião da religião daquele tempo, agora ele mesmo era um impuro e devia viver afastado de todos. Já não podia entrar nas cidades. Mas Marcos mostra que o povo pouco se importava com estas normas oficiais, pois de toda a parte vinham a ele! Subversão total!

O duplo recado que Marcos dá às comunidades do seu tempo e a todos nós e este: 1) anunciar a Boa Nova é dar testemunho da experiência concreta que se tem de Jesus. O leproso, o que ele anuncia? Ele conta aos outros o bem que Jesus lhe fez. Só isso! Tudo isso! E é este testemunho que leva os outros a aceitar a Boa Nova de Deus que Jesus nos trouxe. 2) Para levar a Boa Nova de Deus ao povo, não se deve ter medo de transgredir normas religiosas que são contrárias ao projeto de Deus e que dificultam a comunicação, o diálogo e a vivência do amor. Mesmo que isso traga dificuldades para a gente, como trouxe para Jesus.

ALARGANDO

O Anúncio da Boa Nova de Deus feito por Jesus

A prisão de João fez Jesus voltar e iniciar o anúncio da Boa Nova. Foi um início explosivo e criativo! Jesus percorre a Galiléia toda: as aldeias, os povoados, as cidades (Mc 1,39). Visita as comunidades. Ele muda de residência, e vai morar em Cafarnaum (Mc 1,21; 2,1), cidade que fica no entroncamento de estradas, o que facilita a divulgação da mensagem. Ele quase não pára. Está sempre andando. Os discípulos e as discípulas com ele, por todo canto. Na praia, na estrada, na montanha, no deserto, no barco, nas sinagogas, nas casas. Muito entusiasmo!

Jesus ajuda o povo prestando serviço de muitas maneiras: expulsa maus espíritos (Mc 1,39), cura os doentes e os maltratados (Mc 1,34), purifica quem está excluído por causa da impureza (Mc 1,40-45), acolhe os marginalizados e confraterniza com eles (Mc 2,15). Anuncia, chama e convoca. Atrai, consola e ajuda. É uma paixão que se revela. Paixão pelo Pai e pelo povo pobre e abandonado da sua terra. Onde encontra gente para escutá-lo, ele fala e transmite a Boa Nova de Deus. Em qualquer lugar.

Em Jesus, tudo é revelação daquilo que o anima por dentro! Ele não só anuncia a Boa Nova do Reino. Ele mesmo é uma amostra, um testemunho vivo do Reino de Deus. Nele aparece aquilo que acontece quando um ser humano deixa Deus reinar, tomar conta de sua vida. Pelo seu jeito de conviver e de agir, Jesus revelava o que Deus tinha em mente quando chamou o povo no tempo de Abraão e de Moisés. Jesus desenterrou uma saudade e transformou-a em esperança! De repente, ficou claro para o povo:

"Era isso que Deus queria quando nos chamou para ser o seu povo! Este foi o começo do anúncio da Boa Nova do Reino que se divulgada rapidamente pelas aldeias da Galiléia. Começou pequena como uma semente, mas foi crescendo até tornar-se árvores grande, onde o povo todo procurava um abrigo (Mc 4,31-32). O próprio povo se encarregava de divulgar a notícia.

O povo da Galiléia ficava impressionado com o jeito que Jesus tinha de ensinar. "Um novo ensinamento! Dado com autoridade! Diferente dos escribas!" (Mc 1,22.27). Ensinar era o que Jesus mais fazia (Mc 2,13; 4,1-2; 6,34). Era o costume dele (Mc 10,1). Por mais de 15 vezes o Evangelho de Marcos diz que Jesus ensinava. Mas Marcos quase nunca diz o que ele ensinava. Será que não se interessava pelo conteúdo? Depende do que a gente entende por conteúdo! Ensinar não é só uma questão de ensinar verdades novas para o povo decorar. O conteúdo que Jesus tem para dar transparece não só nas palavras, mas também nos gestos e no próprio jeito de ele se relacionar com as pessoas. O conteúdo nunca está desligado da pessoa que o comunica. Jesus era uma pessoa acolhedora (Mc 6,34). Queria bem ao povo. A bondade e o amor que transparecem nas suas palavras fazem parte do conteúdo. São o seu tempero. Conteúdo bom sem bondade é como leite derramado.

Marcos define o conteúdo do ensinamento de Jesus como "Boa Nova de Deus" (Mc 1,14). A Boa Nova que Jesus proclama vem de Deus e revela algo sobre Deus. Em tudo que Jesus diz e faz, transparecem os traços do rosto de Deus. Transparece a experiência que ele mesmo tem de Deus como Pai. Revelar Deus como Pai é fonte, o conteúdo e o destino da Boa Nova de Jesus.


sábado, 4 de fevereiro de 2012

A Cura da sogra de Pedro – Ildo Bohn Gass


Aproximando-se, ele a tomou pela mão e a fez levantar-se... (Marcos 1,29-39)

A passagem do evangelho segundo Marcos proposta para este final de semana está claramente dividida em três partes.

A cura de uma mulher para a diaconia, o serviço (1,29-31)

No Evangelho segundo Marcos, a primeira cura realizada por Jesus é a expulsão de um espírito impuro de um homem que está sob o domínio de escribas e da sinagoga de Cafarnaum, cidade onde Jesus foi morar, ao iniciar sua missão (Marcos 1,21-28). A lei imposta pelos escribas na sinagoga e no templo, além de ser um peso na vida das pessoas (cf. Mateus 23,1-4; Lucas 13,10-17), impedia que se pensasse e agisse orientado pelo Espírito de Deus. Pois, no dizer de Paulo, “a letra mata, o Espírito é que dá a vida” (2Coríntios 3,6). Por isso, Jesus salva as pessoas dessa força demoníaca que cria dependência e não liberta.

“Logo que saíram da sinagoga, foram com Tiago e João para a casa de Simão e André” (Marcos 1,29). Convém lembrar que, mais do que frequentar o templo, Jesus prefere as casas, prefere o encontro com povo nos caminhos. Ali, todas as pessoas têm acesso ao encontro com Deus. No templo, só podiam entrar os sacerdotes.

Esta narrativa relata a 2ª cura de Jesus, conforme Marcos. Agora, é a sogra de Simão que está doente (Marcos 1,30). Logo que soube, dirigiu-se à cama em que ela estava. Três coisas chamam a atenção. 1) “Ele aproximou-se” (Marcos 1,31). Mais que procurar quem é o próximo, Jesus se torna próximo. 2) “Tomando-a pela mão”, Jesus faz algo fundamental para quem trabalha com pessoas doentes e com quem está na exclusão. Valorizando o toque, o abraço, Jesus valoriza sobremodo as pessoas debilitadas. 3) Jesus “levantou-a”. Enquanto estava deitada, essa mulher não podia ser sujeito com agir próprio. Dependia de outras pessoas. Colocá-la em pé faz dela uma diácona, uma pessoa livre para servir. “E ela se pôs a servi-los”.

Convém lembrar que, se em Marcos a primeira pessoa curada foi um homem (Marcos 1,21-28), a segunda foi uma mulher. Jesus tratava as mulheres com a mesma dignidade com que se relacionava com os homens. Assim como tinha discípulos, tinha também discípulas. Quando Marcos menciona as mulheres que foram com ele até a cruz, cita Maria Madalena, Maria e Salomé, além de muitas outras mulheres que o seguiam, serviam e subiram com ele para Jerusalém como verdadeiras discípulas (cf. Marcos 15,40-41).

E o que nos resta senão também colocar-nos em pé e, com a força do Espírito de Jesus ressuscitado, tornar-nos pessoas livres para servir?

A prática de Jesus liberta de doenças e de possessões (1,32-34)

Naquele dia, depois do pôr do sol e junto à porta da casa de Simão e de André, Jesus ainda curou muitas pessoas enfermas e expulsou demônios, isto é, forças contrárias a Deus e que diminuem a vida de quem está sob seu domínio. As duas curas realizadas anteriormente, a do homem possesso e a da mulher enferma, são símbolos de toda prática libertadora de Jesus. E é prática que não para. Mesmo o sol já posto, Jesus continua libertando pessoas enfermas e endemoninhas.

A proibição de "falar, pois sabiam quem ele era" (Marcos 1,34) faz parte da intenção teológica de Marcos. Ele quer evitar a ideia de Jesus como um messias triunfalista, para reforçar a fé em Jesus como o ungido pelo Espírito de Deus (Marcos 1,10) que vence, aos poucos e de forma humilde como o servo sofredor, as forças contrárias ao espírito do Reino. Por isso, Marcos apresenta Jesus insistindo em que não se divulgue o seu messianismo aos quatro ventos. A proibição se estende aos demônios (Marcos 1,25.34; 3,12), às pessoas curadas (Marcos 1,44; 5,43; 7,36; 8,26) e a seus apóstolos (Marcos 8,30; 9,9), reservando essa revelação somente para o momento da cruz e pela boca de um estrangeiro: "Na verdade, este homem era Filho de Deus" (Marcos 15,39).

Senhor, Deus da vida, ajuda-nos a acolher a tua graça que cura e liberta das enfermidades, dos desejos egoístas e do consumismo individualista. Ó Deus, livra-nos dessas forças que nos seduzem e arrastam como possessão demoníaca, forças que nos dominam e impedem de sermos pessoas livres para, como criaturas novas, colaborar contigo no serviço ao teu Reino de justiça, a exemplo da mulher que curaste.

De onde vem as forças para a nova prática de Jesus? (1,35-39)

Depois de um dia de atividades salvadoras e que vão noite adentro, Jesus descansa para estar com as energias renovadas para mais um dia de serviço à vida. Mas não basta novo vigor físico. Algo mais profundo é necessário.

Por isso, ainda de madrugada, Jesus se retira para um lugar deserto e ali cultiva sua íntima comunhão com o Pai, o Deus libertador do Êxodo. É que vai ao deserto, lugar por onde Deus guiou seu povo para a liberdade e "lá, ele orava" (Marcos 1,35).

A comunhão com o Pai é o segredo da força de Jesus na solidariedade com as pessoas mais desprezadas de sua época, entre elas as doentes e as possessas por todas as forças de alienação e que não permitem que sejam sujeitos de suas vidas. A intimidade com o Pai, essa espiritualidade de comunhão profunda com o sagrado, faz de Jesus uma pessoa radicalmente livre. A oração é a fonte onde Jesus bebe do mais puro Espírito que sustenta sua ação emancipadora junto às pessoas em estado de dependência, seja em relação às enfermidades, seja em relação às forças que nos alienam, impedindo-nos de sermos filhas e filhos livres e com dignidade.

Ó Deus, concede-nos a graça que permite esvaziar-nos do espírito individualista, das forças que geram discórdia, exclusão e sofrimento. Senhor, que teu Espírito libertador do deserto nos transforme e impulsione, tal como moveu Jesus de Nazaré, ao ponto de sermos sempre mais semelhantes a ti, pessoas livres para o serviço da vida, da cura e de tudo que domina como possessão em nossas mentes e corações. Amém!


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Por trás do documento que pautará a Rio+20 oficial


Para Pietricovsky, antropóloga, membro do colegiado de gestão do Inesc e do Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20, o rascunho zero do documento final da Rio+20 é ineficiente porque não enfrenta o modelo de produção e consumo capitalista.

São 19 páginas, 133 repetições da palavra “sustentável” e 39 do adjetivo “verde”. O documento que servirá de base para os acordos e resultados da Rio+20 oficial da ONU – chamado de rascunho zero (“zero draft”) – foi publicado na última semana, em inglês. Seu texto e sua estrutura revelam uma tentativa enfática de estimular práticas menos danosas para o meio ambiente dentro do modelo econômico hoje vigente. Mas não questiona o caráter insustentável desse mesmo sistema de desenvolvimento.

Assim avalia a antropóloga Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e membro do Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20. Claro: a simples constatação de quantas vezes uma palavra é utilizada num texto não permite uma análise aprofundada. No entanto, no caso do rascunho zero do documento final da Rio+20, a insistência nesses termos demonstra uma postura de manutenção do modelo atual de produção e de consumo, no qual o setor privado figura como ator principal.

Nesta entrevista, realizada por telefone poucos dias após a publicação do rascunho zero, Pietricovsky destrincha os muitos equívocos e poucos acertos da publicação da ONU na construção de uma base para as discussões que deveriam, em sua visão, culminar na transformação da economia atual. “Falo a partir da concepção de que, para se promover sustentabilidade, deve-se enfrentar o tema do modelo de desenvolvimento”, explica a antropóloga. “Posição que essa publicação não toma: logo no Preâmbulo [primeiro capítulo], o documento persiste no conceito de crescimento econômico, que em si é contraditório com a ideia de sustentabilidade ambiental.”

Como a ideia de crescimento econômico no modelo atual é incompatível com a noção de sustentabilidade ambiental? Como se promove o crescimento sustentável com expansão agrícola, expansão urbana e industrial – aspectos intrínsecos ao modelo de desenvolvimento atual? Fazendo um paralelo com a nossa política nacional, no modelo hoje vigente, há a insenção de impostos para carros novos. E é esse modelo que se quer chamar de sustentável. Que ideia de crescimento é essa?

Você diz, então, que termos como economia verde e desenvolvimento sustentável são, no rascunho zero para a Rio+20, esvaziados? Esse documento não questiona o padrão vigente de produção e de consumo capitalista. Esse padrão só é mencionado nos itens 26 e 107 da publicação [“Reconhecemos que uma economia verde no contexto de desenvolvimento sustentável (...) deve promover padrões de produção e consumo sustentáveis” e “Propomos que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável possam incluir padrões de consumo e produção”]. Em todo o resto, afirmam-se compromisso com medidas paliativas: eficiência energética, reciclagem etc. As inovações produtivas “verdes” sugeridas ali são baseadas num comércio transcontinental e em “empregos verdes”, e não numa forma complementar de produção mais local, que não precisa atravessar o planeta, a baixo custo, mas sim baseadas na exploração do trabalho ou mesmo da escravidão humana e da depredação ambiental.

Como você avalia a reafirmação dos Objetivos do Milênio, que deverão ser cumpridos até 2015, segundo a ONU? Os Objetivos do Milênio são uma cilada. Foram uma redução de todo o processo do ciclo social de conferências da ONU, que vem desde 1992 – na Rio 92 –, passando pela Conferência de Direitos Humanos de 1993, pela Conferência Mundial sobre Mulheres de 1995, pela Conferência Internacional sobre o Financiamento ao Desenvolvimento de 2002, pela conferência de Durban de 2002. Todos os acordos e tratados feitos durante esse ciclo foram reduzidos e reorganizados a partir do início da década de 2000, quando foram delimitados os Oito Objetivos do Milênio.

Por exemplo, em relação à mulher, o único ponto dos Objetivos do Milênio diz respeito à mortalidade materna [Objetivo 3]. Não se entrou nas questões da saúde reprodutiva da mulher ou do direito ao próprio corpo, que eram assuntos fundamentais à época e que ainda são. Os Objetivos do Milênio, nesse sentido, destruíram e reduziram todas as demandas políticas mais importantes das mulheres, ficou só a retórica.

Digo que os Objetivos do Milênio não serão atingidos até 2015, como defende o rascunho zero, porque é o que tem alertado anualmente o Social Watch – uma rede internacional de monitoramento dos tratados internacionais, em especial os oriundos da Conferência da Mulher, em Pequim, e da Conferência Social, em Copenhague; ambas nos anos 1990, do qual o Iesc faz aprte. O Social Watch monitora esse ciclo social das Nações Unidas e construiu indicadores para medir se as metas estão sendo alcançadas. Já fizemos vários relatórios internacionais apontando que nenhum dos países atingiu ou deverá atingir essas metas. Como se pode afirmar que os Objetivos do Milênio vão ser atingidos se, ainda por cima, estamos desde 2008 numa época de crise, com contenção de gastos e uma virada conservadora de corte de direitos por parte de muitos governos, como a França, a Espanha, a Grécia, a Itália, Israel e os EUA? No Brasil, aparentemente alguns dos Objetivos do Milênio foram atingidos, como, por exemplo, a educação – todas as crianças estão virtualmente matriculadas na escola. Mas, se formos analisar a qualidade dessa educação, veremos que o Brasil não atingiu essa meta de verdade.

Você acha que esse documento demonstra a força do setor privado como ator principal na implementação dessa “economia verde”? É justamente essa ênfase no setor privado que configura o subtexto do documento, juntamente com a falta de preocupação com o enfrentamento do modelo econômico vigente hoje. O setor privado ainda é tratado no mesmo grupo das organizações não-governamentais (ONGs), comunidades indígenas, mulheres etc., nos chamados Major Groups – o que considero um grande equívoco. São organizações de naturezas diferentes, com demandas e poderes diferentes de definir os rumos da história da humanidade, e deveriam ser tratados separadamente. As ONGs do campo da cidadania ativa e movimentos sociais não têm relação com o setor corporativo e empresarial. Não defendemos as mesmas posições. Assim, somos diluídos no conceito abrangente de sociedade civil, o que não é correto. O setor produtivo privado já detém o capital e os mecanismos de influenciar o mesmo e definir a pauta política dos espaços de poder. Ao colocá-los na mesma posição que as ONGs e indígenas em uma disputa de sentidos, a parte fraca e minoritária perde.

O rascunho zero não enfrenta a questão do modelo de desenvolvimento – mas sim propõe adequações no modelo já existente para torná-lo “sustentável”, sem mudanças estruturais – porque o setor privado, obviamente, não tem esse objetivo. Indústrias e empresas têm aí um papel fundamental de polo produtor de tecnologias “verdes”. Essas tecnologias serão vendidas e deverão promover a redução de emissões. Em outras palavras: esse documento simboliza certa submissão dos Estados nacionais ao capital do setor privado, movimento iniciado justamente a partir dos Objetivos do Milênio, no início dos anos 2000, quando a ONU se dobrou ao poder do capital e passou a atuar a partir de diretrizes ditadas pelos interesses dos países mais ricos e das instituições do sistema financeiro e do comércio mundial.

Os acordos firmados durante o ciclo social de conferências da ONU propunham esse enfrentamento dos padrões capitalistas vigentes?

Nesses acordos perpetrados no ciclo social da ONU, havia uma avaliação de modelo, um certo enfrentamento. Como? Bom, se radicalizarmos a ideia dos direitos – econômico, social, ambiental, sexual etc. – que foram instituídos nessas conferências, construiríamos uma nova arquitetura de modelos de existência no planeta. Claro, esse embate tem permeado toda a trajetória histórica da humanidade – a partir do modelo instituído com a Revolução Industrial – e o modo capitalista de produção agora mostra sinais de que quer se revitalizar por meio de uma concepção verde. Por isso, é difícil entender, mesmo que se trate de uma concepção dita inclusiva. Daí digo que esse rascunho zero é contraditório: ao mesmo tempo em que ele reafirma os acordos passados, que propunham o enfrentamento do modelo econômico capitalista atual e convocavam a humanidade para mudar sua forma de existir a partir de uma série de princípios universais de direitos humanos, que, se realizados, seriam revolucionários, na realidade se contradizem e não se realizam com plenitude. O documento rasteja na retórica, no reducionismo e no esvaziamento dos conteúdos antes firmados a parcas expressões declaratórias.

E sobre o tema da Governança Global, o que você tem a dizer?

O documento reafirma o papel das instituições financeiras multilaterais juntamente com a ONU, como as estruturas da governança Global. O texto revaloriza as estruturas internas da ONU e propõe a criação de um Conselho de Desenvolvimento Sustentável como alternativa à Comissão atual, só que com mais autonomia e autoridade para suas deliberações.Basicamente não muda nada do que temos hoje.

Você acredita que eles avançam na questão de indicadores para aferir a mudança do modelo predatório dos país para o modelo sustentável?

Existe uma tentativa, persistente, em todo texto no sentido de criar mecanismos e medidas de aferição e de indicadores de resultados alcançados. Querem medir o progresso até 2030. Tem um lado positivo, porque medidas são importantes elementos de análise e avalisação. Mas, quem definirá estes indicadores e com base em que conceitos? De quais questões importantes esse rascunho zero não tratou? Todos os temas transversais (água, energia, cidades, empregos verdes, desastres naturais, mudanças climáticas etc.) foram tratados de forma bem ampla para dar conta das demandas dos major groups. No entanto, não há nenhuma indicação efetiva dos caminhos que deverão ser tomados para tratar dessas questões. As identificações e emendas explicativas desses temas são genéricas e, com isso, pode caber qualquer coisa em seu escopo. Assim, com a identificação de temas prioritários, muitos ficaram de fora. Por exemplo, a questão migratória –, que o Brasil está começando agora, com o Haiti, a vivenciar de maneira mais concreta. Também a questão racial não foi incorporada no documento, o que considero um erro gravíssimo. A divisão de trabalho internacional, o modo de produção e de acumulação de riquezas do mundo se fez à custa de uma relação de exploração de riquezas entre os que têm tecnologia, capital e poder político, e os mais impactados – populações indígenas, mulheres, crianças e populações negras. A questão indígena e da mulher chega até a ser mencionada nesse documento [item 21]. Esses itens, no entanto, além de serem genéricos, não mencionam as populações negras, violadas e discriminadas até hoje. Como se pode não tratar dessa questão em um documento de base que enfatiza a discussão dos três pilares do desenvolvimento sustentável – econômico, social e ambiental – e as relações entre povos, nações e o destino do planeta? Como um documento como esse pode não se comprometer de forma enfática, radical e concreta, com os direitos humanos?

Qual o papel da Cúpula dos Povos em contraposição a essa publicação?
O nosso papel é ter uma postura crítica a esse rascunho zero. Devemos responder a esse documento e ir além: criar mecanismos de diálogo com a sociedade em geral, mostrar equívocos, como a abordagem e as lacunas que ele apresenta.

Há algum ponto que você avalie como positivo nesse documento? A reafirmação de vários tratados e convenções realizados ao longo das últimas décadas, como o compromisso com o direito e o acesso à informação, com os processos de participação, com democracia, com transparência política, financeira e comercial. Essas afirmações são importantes porque são bases sobre as quais a Cúpula dos Povos pode vincular suas lutas e empreender um debate mais profundo e estrutural, indo muito além do proposto pela ONU. Essas conferencias, que resultaram tratados, convenções, protocolos de intenção, são o marco jurídico internacional que nos permite lutar por povos e sociedades melhores, diversas porem universalizadas em seu direito de existir com dignidade.

Entrevista publicada no Portal da Cúpula dos Povos na Rio+20 com adaptações