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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Ecumenismo agora!". Um apelo


A superação da separação confessional é o objetivo da iniciativa Ökumene Jetzt!, organizada por figuras públicas pertencentes a várias esferas da vida pública: política, ciência, economia, cultura, esportes e outros âmbitos sociais.
 
"Não queremos uma reconciliação que mantenha a separação, mas sim uma unidade vivida na consciência da diversidade, que historicamente foi se formando", diz-se no apelo, que foi apresentado publicamente juntamente com sua página web, pedindo-se o apoio das lideranças eclesiais e das comunidades.
 
O texto foi publicado no sítio Oekumene-jetzt.de, 05-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
 
Eis o texto.
 
Ecumenismo agora: Um só Deus, uma só fé, uma Igreja
 
"Mantenham entre vocês laços de paz, para conservar a unidade do Espírito. Há um só corpo e um só Espírito, assim como a vocação de vocês os chamou a uma só esperança: há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que age por meio de todos e está presente em todos" (Carta de Paulo aos Efésios 4, 3-6).
 
Nos próximos anos, os cristãos e cristãs de todo o mundo recordam dois eventos marcantes da história da Igreja:
 
- os 50 anos do Concílio Vaticano II;
- os 500 anos da Reforma.
 
Na Alemanha, a "Década de Lutero" (a Luther-Dekade é uma série de manifestações iniciadas no dia 21 de setembro de 2008 em vista do 500º aniversário, em 2017, da fixação das 95 teses de Lutero em Wittenberg) deve servir para a preparação e para a avaliação de uma data histórica que, retrospectivamente, representa um divisor de águas na história do nosso país. Ambos os eventos não se referem apenas a uma denominação, mas são um desafio e uma oportunidade em particular para todas as Igrejas, mas não só.
 
Participaremos com empenho da preparação e da execução de eventos, exposições, publicações e liturgias para lembrar e reconhecer o Concílio Vaticano II e a Reforma, e pretendemos fazer de tudo para que, depois dos jubileus, não permaneça tudo como antes.
 
Assim como Deus nos concedeu no batismo a comunhão com Jesus Cristo, os batizados são unidos como irmãos e irmãs. Formam como povo de Deus e corpo de Cristo a única Igreja que professamos no Credo. Por isso, é necessário que essa unidade espiritual também possa assumir uma forma visível.
 
Martinho Lutero queria renovar, não dividir a Igreja. Ele queria a unidade da Igreja, "para que o mundo creia" (cf. também Jo 17, 9-23). Ele considerava expressamente que a introdução de uma diversidade confessional dentro de uma região era impraticável e inadequada. A Confissão de Augsburgo de Lutero também enfatiza a necessidade da unidade da Igreja: "Para a verdadeira unidade da Igreja, é suficiente estar de acordo [o latim diz: consentire] sobre a doutrina do Evangelho e sobre a administração dos sacramentos" (Confessio Augustana 7).
 
Todavia, chegou-se à separação das Igrejas. Havia graves diferenças e incompreensões, mas a divisão não tinha só razões teológicas, mas também sólidas razões políticas: chegou-se a isso não por uma convicção de fé de ser evangélico ou católico-romano, mas com base no lugar onde se vivia. Os soberanos de uma região determinavam a confissão dos seus habitantes. Para a longa separação das Igrejas, foram mais determinantes as questões de poder do que as questões de fé. Portanto, foi uma consequência lógica que o desejo de ser uma única Igreja cristã fosse repetidamente retomado mesmo depois da separação das Igrejas, embora com intensidades diferentes.
 
A busca da unidade das Igrejas recebeu uma expressão particular com o Concílio Vaticano II (1962-1965), que foi convocado para uma renovação não só pastoral, mas também ecumênica. Um documento-chave do Concílio, o Decreto sobre o Ecumenismo (Unitatis Redintegratio) sublinhou o dever dos cristãos e das cristãs de trabalhar pela restauração da unidade da Igreja: "Cristo Senhor fundou uma só e única Igreja. Todavia, são numerosas as Comunhões cristãs que se apresentam aos homens como a verdadeira herança de Jesus Cristo. Todos, na verdade, se professam discípulos do Senhor, mas têm pareceres diversos e caminham por rumos diferentes, como se o próprio Cristo estivesse dividido (1Cor 1, 13). Esta divisão, porém, contradiz abertamente a vontade de Cristo, e é escândalo para o mundo, como também prejudica a santíssima causa da pregação do Evangelho a toda a criatura" (Unitatis Redintegratio, n.1).
 
Desse modo, o decreto católico-romano não se coloca apenas na tradição do apóstolo Paulo, mas também na continuação da preocupação luterana. Ele também indica simultaneamente onde se deve procurar a responsabilidade pela busca da unidade.
 
Não só os pastores, mas também e principalmente os fiéis são chamados a se empenhar pelo restabelecimento da unidade. "A solicitude na restauração da união vale para toda a Igreja, tanto para os fiéis como para os pastores. Afeta a cada um em particular, de acordo com sua capacidade, quer na vida cristã quotidiana, quer nas investigações teológicas e históricas" (Unitatis Redintegratio, n.5).
 
Não podemos e não devemos abandonar o empenho pela unidade de toda a Igreja até que seja alcançada entre as lideranças eclesiásticas um acordo teológico sobre o modo de entender a missão e a Ceia do Senhor. E também não devemos nos contentar em ter como meta o fato de que as Igrejas se reconheçam reciprocamente como Igrejas. Embora, atualmente, ainda estejamos longe disso: essa meta é necessária, mas insuficiente demais!
 
Não queremos uma reconciliação com a manutenção da separação, mas sim uma unidade vivida na uma consciência da diversidade que historicamente foi se formando.
 
Hoje, a divisão das Igrejas não é nem fundamentada nem desejada politicamente. Razões teológicas, hábitos institucionais, tradições eclesiais e culturais são suficientes para manter a separação das Igrejas?
 
Não acreditamos nisso.
 
É óbvio que, no que se refere aos cristãos e cristãs católicos e evangélicos, são mais as coisas que unem do que as que dividem.
 
É incontestável que há posições diferentes no modo de entender a eucaristia, a missão e as atividades das Igrejas.
 
Porém, é fundamental que essas diferenças não justifiquem a manutenção da separação.
 
Em ambas as Igrejas é grande o desejo de unidade. As consequências da separação são sentidas dolorosamente na vida cotidiana dos cristãos e cristãs.
 
Apreciamos os esforços feitos nas últimas décadas para progredir no ecumenismo. Reconhecemos que a experiência da comunhão na fé e a cooperação prática de comunidades católicas e evangélicas localmente tenha se desenvolvido mais rapidamente do que o processo de esclarecimento institucional e teológico.
 
Apelamos às lideranças das Igrejas para que acompanhem os reais desenvolvimentos que ocorrem localmente nas comunidades, para que o ecumenismo não emigre para uma terra de ninguém entre as confissões, mas para que se supere a separação entre as nossas Igrejas. Apelamos às comunidades para que continuem progredindo no ecumenismo, modelem juntas a vida eclesial, compartilhem os espaços e busquem realizar a unidade organizacional. 
 
Como cristãos em uma terra de Reforma, temos uma responsabilidade especial de dar o exemplo e de contribuir para viver a nossa fé comum em uma Igreja também comum.
 
Primeiros signatários:
 
Thomas Bach, advogado, presidente do Deutscher Olympischer Sportbund e vice-presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), campeão olímpico em 1976.
 
Andreas Barner, administrador industrial, porta-voz da direção empresarial da Boehringer Ingelheim GmbH, membro do Conselho Científico e diretor do Evangelischer Kirchentag.
 
Günter Brakelmann, teólogo evangélico, até 1996 professor de doutrina social cristã da Faculdade de Teologia Evangélica da Ruhr-Universität de Bochum.
 
Andreas Felger, artista, pintor e escultor. Desde 1960, desempenha atividades independentes como artista.
 
Christian Führer, pastor protestante, cofundador da "Oração pela paz" da Igreja Sankt Nikolai de Leipzig.
 
Gerda Hasselfeldt, economista, presidente do grupo regional da União Social-Cristã (CSU) no Bundestag, vice-presidente do Bundestag de 2005 a 2011.
 
Günther Jauch, jornalista, apresentador e produtor. Moderador do talk-show Günther Jauch do canal ARD. No ano 2000, fundou sua própria empresa de produção, I&U TV.
 
Hans Joas, sociólogo e filósofo social, membro permanente do Freiburg Institute for Advanced Studies (FRIAS).
 
Friedrich Kronenberg, economista, secretário-geral do Comitê Central dos Católicos Alemães (Zentralkomitee der Deutschen Katholiken, de 1966 a 1999), membro do Bundestag de 1983 a 1990.
 
Norbert Lammert, cientista social, presidente do Bundestag, membro do Bundestag desde 1980.
 
Hans Maier, cientista político, presidente do Comitê Central dos Católicos Alemães (1976-1988), ministro da Baviera para educação e culto (1970-1986).
 
Thomas de Maizière, jurista, ministro da Defesa, ministro do Interior (2009-2011).
 
Eckhard Nagel, médico e filósofo, diretor médico da clínica universitária de Essen, diretor do Institut für Medizinmanagement und Gesundheitswissenschaften (ciências da saúde – IMG) da Universidade de Bayreuth, membro do Ethikrat alemão, membro do conselho diretivo do Kirchentag evangélico, presidente evangélico do II Kirchentag ecumênico de Munique de 2010.
 
Otto Hermann Pesch, teólogo católico-romano. Até 1998, foi professor de teologia sistemática na Universidade de Hamburgo.
 
Annette Schavan, teóloga e pedagoga, ministra de Educação e de Pesquisa, vice-presidente da União Democrata-Cristã (CDU).
 
Uwe Schneidewind, economista, presidente do Wuppertal Institut für Klima, Umwelt, Energie GmbH.
 
Arnold Stadler, escritor, vencedor, dentre outros prêmios, do Büchner-Preis (1999) e do Kleist-Preis (2009).
 
Frank-Walter Steinmeier, jurista, presidente de uma divisão do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), ministro do Exterior (2005-2009), vice-chanceler (2007-2009).
 
Wolfgang Thierse, estudioso de aspectos cultura, germanista, vice-presidente e presidente do Bundestag (1998-2005). Membro do Bundestag desde 1990.
 
Günther Uecker, escultor e artista de objetos, tendo participado de inúmeras exposições e recebido honras internacionais. Em 1998-1999, ajudou na construção de um lugar de recolhimento no edifício do Reichstag.
 
Michael Vesper, sociólogo, diretor-geral da Deutscher Olympischer Sportbund (DOSB), ministro de Obras Públicas, Cultura e Esporte (1995-2005).
 
Antje Vollmer, teóloga e pedagoga, vice-presidente do Bundestag (1994-2005). Membro do Bundestag (1983-1990 e 1994-2005).
 
Richard von Weizsäcker, presidente da República Federal da Alemanha de 1984 a 1994, presidente do Kirchentag evangélico (1964-1970 e 1979-1981). Membro do Bundestag (1969-1981).
 
Até o dia 12 de setembro de 2012, eram mais de 4.170 os apoiadores que aderiram ao apelo Ökumene Jetzt!

Sinais do Reino: Acolher os pequenos e os excluídos - Mesters e Lopes




por CEBI Publicações
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SINAIS DO REINO
ACOLHER OS PEQUENOS E OS EXCLUÍDOS
Marcos 9,38-43.45.47-48





ABRIR OS OLHOS PARA VER
No texto de hoje, Jesus dá conselhos sobre o relacionamento dos adultos com os pequenos e excluídos, sobre o relacionamento entre homem e mulher, e sobre o relacionamento com as mãos e as crianças. Naquele tempo, muita gente pequena era excluída e marginalizada. Não podia participar. Muitos deles perdiam a fé. No relacionamento entre homem e mulher, havia muito machismo. Com os pequenos e excluídos Jesus pede o máximo de acolhimento. No relacionamento homem-mulher ele pede o máximo de igualdade. Com as crianças e suas mães, o máximo de ternura. Vamos conversar sobre isso.

SITUANDO
Como já vimos no texto da semana passada, Marcos coloca seis recomendações sobre a conversão que deve ocorrer na vida de quem aceita caminhar com Jesus até o Calvário (Mc 9,38 a 10,31). Este texto, traz três destas recomendações: uma sobre o novo relacionamento com os pequenos (Mc 9,42-50), outra sobre o novo relacionamento entre homem e mulher (Mc 10,1-12), e outra ainda sobre o relacionamento com as mães e suas crianças (Mc 10,13-16).  Nos anos 70, diante das muitas dificuldades que as comunidades enfrentavam, Marcos procura ajudá-las a não desanimar e a levar a sério a opção pelo seguimento de Jesus.

COMENTANDO
Marcos 9,38-40: A mentalidade do fechamento
Alguém que não era da comunidade usava o nome de Jesus para expulsar os demônios. João, o discípulo, vê e proíbe: Impedimos, porque ele não anda conosco. Em nome da comunidade João impede que o outro possa fazer uma ação boa! Por se discípulo, ele pensava ter o  monopólio sobre Jesus e, por isso, queria proibir que outros usassem o nome de Jesus para realizar o bem. Era a mentalidade fechada e antiga do "Povo eleito, Povo separado". Jesus responde: Não impeçam! Quem não é contra é a favor! (Mc 9,40). Para Jesus, o que importa não é se a pessoa faz ou não faz parte da comunidade, mas sim se ela faz ou não o bem que a comunidade deve realizar.
Marcos 9,41: Um copo de água tem recompensa
Uma frase solta de Jesus foi inserida aqui: Eu garanto a vocês: quem der para vocês um copo de água porque vocês são de Cristo não ficará sem receber sua recompensa. Dois pensamentos: 1) "Quem der para vocês um copo de água": Jesus está indo para Jerusalém para entregar sua vida. Gesto de grande doação! Mas ele não esquece os gestos pequenos de doação no dia-a-dia da vida: um copo de água, um acolhimento, uma esmola, tantos gestos. Quem despreza o tijolo nunca faz casa! 2) "Porque vocês são de Cristo": Jesus se identifica conosco que queremos pertencer a Ele. Isto significa que, para Ele, temos muito valor.
Marcos 9,42: Escândalo para os pequenos
Escândalo é aquilo que desvia a pessoa do bom caminho. Escandalizar os pequenos é ser motivo pelo qual os pequenos se desviam e perdem a fé em Deus. Quem faz isto recebea seguinte sentença: "Corda no pescoço com pedra de moinho para ser jogado no fundo do mar!" Por que tanta severidade? É porque Jesus se identifica com os pequenos (Mt 25,40-45). Quem toca neles toca em Jesus! Hoje, no Brasil, os pequenos, os pobres, muitos deles estão saindo das igrejas tradicionais. Já não conseguem crer! Por que será? Até onde nós temos culpa? Merecemos a corda no pescoço?
Marcos 9,43-48: Cortar mão e pé
Jesus manda a pessoa arrancar mão, pé e olho, caso estes forem motivo de escândalo. Ele diz: "É melhor entrar na vida ou no Reino com um pé (mão, olho) do que entrar no inferno ou na geena com dois pés (mãos, olhos)". Estas frases não podem ser tomadas ao pé da letra. Elas significam que a pessoa deve ser radical na opção por Deus e pelo Evangelho.
A expressão "Geena (inferno), onde tem verme que não morre e o fogo que não se apaga", é uma imagem para indicar a situação da pessoa que fica sem Deus. A geena era o nome de um vale perto de Jerusalém, onde se jogava o lixo da cidade e onde sempre havia um fogo de monturo queimando o lixo. Este lugar fedorento era usado pelo povo para simbolizar a situação da pessoa que ficava sem participar do Reino de Deus.

ALARGANDO
Jesus acolhe e defende a vida dos pequenos
Várias vezes, Jesus insiste no acolhimento a ser dado aos pequenos. "Quem acolhe a um destes pequenos em meu nome é a mim que acolhe" (Mc 9,37). Quem dá um copo de água a um destes pequenos não perderá a sua recompensa (Mt 10,42). Ele pede para não desprezar os pequenos (Mt 18,10). E no julgamento final os justos vão ser recebidos porque deram de comer a "um destes mais pequeninos" (Mt 25,40).
Se Jesus insiste tanto no acolhimento a ser dado aos pequenos, é porque devia haver muita gente pequena sem acolhimento! De fato, mulheres e crianças não contavam (Mt 14,21; 15,38), eram desprezadas (Mt 18,10) e silenciadas (Mt 21,15-16). Até os apóstolos impediam que elas chegassem perto de Jesus (Mt 19,13; Mc 10,13-14). Em nome da lei de Deus, mal interpretada pelas autoridades religiosas, muita gente boa era excluída. Em vez de acolher os excluídos, a lei era usada para legitimar a exclusão.
Nos evangelhos, a expressão "pequenos" (em grego se diz elachistoi, mikroi ou nipioi), às vezes, indica "criança", outras vezes, indica os setores excluídos da sociedade. Não é fácil discernir. Às vezes, o que é "pequeno" num evangelho, é "criança" no outro. É porque criança pertencia a categoria dos "pequenos", dos excluídos. Além disso, nem sempre é fácil discernir entre o que vem do tempo de Jesus e o que é do tempo das comunidades para as quais foram escritos os evangelhos. Mesmo assim, o que fica claro é o contexto de exclusão que vigorava na época e a imagem que as primeiras comunidades se faziam de Jesus: Jesus se coloca do lado dos pequenos, dos excluídos e assume a sua defesa. Fica-se impressionado quando se junta tudo aquilo que Jesus fez em defesa da vida das crianças, dos pequenos:
  1. Acolher e não escandalizar: Uma das palavras mais duras de Jesus é contra aqueles que causam escândalo nos pequenos, isto é, que são o motivo pelo qual os pequenos deixam de acreditar em Deus. Para estes, melhor seria ter uma pedra de moinho amarrada no pescoço e ser jogado nas profundezas do mar (Mc 9,42; Lc 17,2; Mt 18,6).
  2. Acolher e tocar: Mães com crianças chegam perto de Jesus para pedir a bênção. Os apóstolos reagem e as afastam. Dentro das normas da época, tanto as mães como as crianças pequenas, todas elas viviam, praticamente, num estado permanente de impura legal. Tocar nelas significava contrair impureza! Jesus não se incomoda. Ele corrige os discípulos e acolhe as mães com as crianças. Toca nelas e lhes dá um abraço. "Deixem vir as crianças, não as impeçam!" (Mc 10,13-16; Mt 19,13-15).
  3. Identificar-se com os pequenos: Jesus abraça as crianças e identifica-se com elas. Quem recebe uma criança é a "mim que recebe" (Mc 9,37). "E tudo que vocês fizerem a um destes mais pequenos foi a mim que o fizeste" (Mt 25,40).
  4. Tornar-se como criança: Jesus pede que os discípulos se tornem como crianças e aceitem o Reino como criança. Sem isso não é possível entrar no Reino (Mc 10,15; Mt 18,3; Lc 9,46-48). Ele coloca a criança como professor de adulto! O que não era normal. Costumamos fazer o contrário.
  5. Defender o direito de gritar: Quando Jesus, entrando no Templo, derruba as mesas dos cambistas, são as crianças as que mais gritam. "Hosana ao filho de Davi!" (Mt 21,15). Criticadas pelos chefes dos sacerdotes e escribas, Jesus as defende e em sua defesa invoca até as escrituras (Mt 21,16).
  6. Agradecer pelo Reino presente nos pequenos: A alegria de Jesus é grande, quando percebe que as crianças, os pequenos entendem as coisas do Reino que ele anuncia ao povo. "Pai, eu te agradeço!" (Mt 11,25-26) Jesus reconhece que os pequenos entendem melhor as coisas do Reino do que os doutores!
  7. Acolher e curar: São muitas as crianças e jovens que Ele acolhe, cura ou ressuscita: a filha de Jairo de 12 anos (Mc 5,41-42), a filha da mulher cananéia (Mc 7,29-30), o filho da víuva de Naim (Lc 7,14-15), o menino epilético (Mc 9,25-26), o filho do centurião (Lc 7,9-10), o filho do funcionário público (Jo 4,50), o menino dos cinco pães e dois peixes (Jo 6,9)

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Ecumenismo - Ninguém é dono de Jesus (Mc 9,30-37) - Mesters e Lopes

por CEBI Publicações

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ECUMENISMO
NINGUÉM É DONO DE JESUS
MARCOS 9,30-37





ABRIR OS OLHOS PARA VER

O texto de Evangelho que vamos meditar hoje traz uma grande incoerência da parte dos discípulos de Jesus. Enquanto Jesus anunciava a sua paixão e morte, os discípulos discutiam entre si quem deles era o maior. Jesus queria servir, eles só pensavam em mandar! A ambição os levava a querer subir às custas de Jesus. Vamos conversar sobre isto.

SITUANDO
Esta reflexão traz o segundo anúncio da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Como no primeiro anúncio - Mc 8, 27-38 -, os discípulos ficam espantados e com medo. Não entendem a palavra sobre a cruz, porque não são capazes de entender nem de aceitar um Messias que se faz empregado e servidor dos irmãos. Eles continuam sonhando com um messias glorioso. O texto ajuda a perceber algo da pedagogia de Jesus. Mostra como ele formava os discípulos, como os ajudava a perceber e a superar o "fermento dos fariseus e de Herodes".
Tanto na época de Jesus como na époica de Marcos, havia o fermento da ideologia dominante. Também hoje, a ideologia da propagandas do comércio, do consumismo, das novelas influi profundamente no modo de pensar e de agir do povo. Na época de Marcos, nem sempre as comunidades eram capazes de manter uma atitude crítica frente à invasão da ideologia do império. A atitude de Jesus com relação aos apóstolos, descrita no evangelho, as ajudava e continua ajudando a nós hoje.

COMENTANDO
Marcos 9,30-32: O anúncio da cruz
Jesus caminha através da Galiléia, mas não quer que o povo o saiba, pois está ocupado com a formação dos discípulos e discípulas e conversa com eles sobre a cruz. Ele diz que, conforme a profecia de Isaías - Is 53,1-10 -, o Filho do Homem deve ser entregue e morto. Isto mostra como Jesus se orientava pela Bíblia, na formação aos discípulos. Ele tirava o seu ensinamento das profecias. Os discípulos o escutam, mas não entendem a palavra sobre a cruz. Mesmo assim, não pedem esclarecimento. Eles tem medo de deixar transparecer sua ignorância.
Marcos 9,33-34: A mentalidade de competição
Chegando em casa, Jesus pergunta: Sobre que vocês estavam discutindo no caminho? Eles não respondem. É o silêncio de quem se sente culpado, pois pelo caminho discutiam sobre quem deles era o maior. Jesus é bom formador. Não intervém logo, mas sabe aguardar o momento oportuno para combater a influência da ideologia dos seus formandos. A mentalidade de competição e de prestígio que caracteriza a sociedade do Império Romano já se infiltrava na pequena comunidade que estava apenas começando! Aqui aparece o contraste! Enquanto Jesus se preocupa em ser o Messias Servidor, eles só pensam em ser o maior. Jesus procura descer. Eles querem subir!
Marcos 9, 35-37: Servir, em vez de mandar
A resposta de Jesus é um resumo do testemunho de vida que ele mesmo vinha dando desde o começo: Quem quer ser o primeiro seja o último de todos, o servidor de todos! Pois o último não ganha nada. É um servo inútil (cf. Lc 17,10). O poder deve ser usado não para subir e dominar, mas para descer e servir. Este é o ponto em que Jesus mais insistiu e em que mais deu o seu próprio testemunho (cf. Mc 10,45; Mt 20,28; Jo 13,1-16).
Em seguida, Jesus coloca uma criança no meio deles. Uma pessoa que só pensa em subir e dominar não daria tão grande atenção aos pequenos e às crianças. Mas Jesus inverte tudo! Ele diz: "Quem receber uma destas crianças em meu nome é a mim que recebe. Quem receber a mim recebe aquele que me enviou! Ele se identifica com as crianças. Quem acolhe os pequenos em nome de Jesus acolhe o próprio Deus!

ALARGANDO
Um retrato de Jesus como formador
"Seguir" era um termo que fazia parte dos sitema da época. Era usado para indicar o relacionamento entre o discípulo e o mestre. O relacionamento mestre-discípulo é diferente do relacionamento professor-aluno. Os alunos assistem às aulas do professor sobre uma determinada matéria. Os discípulos "seguem" o mestre e convivem com ele. Foi nesta "convivência" de três anos com Jesus que os discípulos e as discípulas receberam a sua formação.
Não é pelo fato de uma pessoa andar com Jesus que ela já é santa e renovada. No meio dos discípulos, cada vez de novo, a mentalidade antiga levantava a cabeça, pois o "fermanto de Herodes e dos fariseus" - Mc 8,15-, isto é, a ideologia dominante, tinha raízes profundas na vida daquele povo. A conversão que Jesus pede quer atingir a raiz e erradicar o "fermanto''. Já vimos como Jesus combatia a mentalidade antigo de competição e de prestígio - Mc 9,33-37 e a mentalidade fechada de quem se considera dono de tudo - Mc 9,38-40. Eis alguns outros casos desta ajuda fraterna de Jesus aos discípulos.
.: Mentalidade de grupo que se considera superior aos outros
Certa vez, os samaritanos não queriam dar hospedagem a Jesus. Reação dos discípulos: "Que um fogo do céu acabe com esse povo" (Lc 9,54). Achavam que, pelo fato de estarem com Jesus, todos deviam acolhê-los. Pensavam ter Deus do seu lado para defendê-los. Era a mentalidade antiga de "Povo eleito, Povo privilegiado!" Jesus os repreende: ''Vocês não sabem de que espírito estão sendo animados" (Lc 9,55).
.: Mentalidade de quem marginaliza o pequeno
Os discípulos afastavam as crianças. Era a mentalidade da cultura da época em que criança não contava e devia ser disciplinada pelos adultos. Jesus os repreende: ''Deixem vir a mim as crianças!" (Mc 10,14). Ele coloca a criança com professora de adulto: "Quem não receber o Reino como uma criança não pode entrar nele" (Lc 18,17).
.: Mentalidade de quem pensa conforme a opinião de todo mundo
Certo dia, vendo um cego, os discípulos perguntaram: ''Quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?" (Jo 9,2). Como hoje, o poder da opinião pública era muito forte. Fazia todo o mundo pensar de acordo com a cultura dominante. Enquanto se pensa assim não é possível perceber todo o alcance da Boa Nova do Reino. Jesus os ajuda a ter uma visão mais crítica: ''Nem ele, nem os pais dele'' (Jo 9,3). A resposta de Jesus supõe uma leitura diferente da realidade.
Jesus, o Mestre, é o eixo, o centro e o modelo da formação. Pelas suas atitudes, ele é uma amostra do Reino, encarno o amor de Deus e o revela (Mc 6,31; Mt 10,30; Lc 15,11-32). Muitos pequenos gestos refletem este testemunho de vida com que Jesus marcava presença na vida dos discípulos e ds discípulas, preparando-os para a vida e a missão. Era a sua maneira de dar forma humana a experiência que ele mesmo tinha de Deus como Pai:
.: Envolve-os na missão - Mc 6,7; Lc 9,1-2; 10,1.
.: Na volta, faz revisão com eles - Lc 10,17-20.
.: Corrige-os quando erram e querem ser os primeiros - Mc 9,33-35; 10,14-15.
.: Aguarda o momento oportuno para corrigir - Lc 9,46-48; Mc 10,14-15.
.: Ajuda-os a discernir - Mc 9,28-29.
.: Interpela-os quando são  lentos - Mc 4,13; 8,14-21.
.: Prepara-os para o conflito - Jo 16,33; Mt 10,17-25.
.: Manda observar a realidade - Mc 8,27-29; Jo 4,35; Mt 16,1-3.
.: Reflete com eles sobre as questões do momento - Lc 13,1-5.
.: Confronta-os com as necessidades do povo - Jo 6,5.
.: Ensina que as necessidades do povo estão acima das prescrições rituais - Mt 12,7.12.
.: Tem momentos a sós para poder instrui-los - Mc 4,34; 7,17; 9,30-31; 10,10; 13,3.
.: Sabe escutar, mesmo quando o diálogo é difícil - Jo 4,7-42.
.: Ajuda-os a aceitar a si mesmos - Lc 22,32.
.: É exigente e pede para deixar tudo por amor a ele - Mc 10,17-31.
.: É severo com a hipocrisia - Lc 11,37-53.
.: Faz mais perguntas que dá respostas - Mc 8,17-21.
.: É firme e não se deixa desviar do caminho - Mc 8,33; Lc 9,54.
.: Prepara-os para o conflito e a perseguição - Mt 10,16-25.
Este é um retrato de Jesus como formador. A formação do "seguimento de Jesus" não era, em primeiro lugar, a transmissão de verdades a serem decoradas, mas sim a comunicação da nova experiência de Deus e da vida que irradiava de Jesus para os discípulos e discípulas. A própria comunidade que se formava ao redor de Jesus era  a expressão desta nova experiência. A formação levava as pessoas a terem outros olhos, outras atitudes. Fazia nascer nelas uma nova consciência a respeito da missão e a respeito de si mesmas. Fazia com que fossem colocando os pés do lado dos excluídos. Produzia, aos poucos, a "conversão" como consequência da aceitação da Boa Nova (Mc 1,15).

Religião e política no Brasil: o novo paradigma dos movimentos sociais


por Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

"A partir da minha pesquisa, posso dizer que os movimentos sociais estão abandonando o discurso religioso, utópico, marxista-cristão e assumindo aos poucos, o discurso pragmático-capitalista neoliberal. Então, o discurso da maioria dos militantes é praticar uma política pragmática, embora muitas vezes eles nem se deem conta disso", afirma o pesquisador do PPG em Ciências Sociais da Unisinos.
Confira a entrevista.

Num país como o Brasil, em que 92% dos brasileiros se declaram religiosos, é difícil desvincular a religião do debate político. Essa relação de proximidade pode ser explicada, em parte, pela religiosidade popular e pela influência que o catolicismo e as religiões protestantes tradicionais exerceram na constituição dos movimentos sociais brasileiros a partir da década de 1980, sob influência do marxismo e da Teologia da Libertação.

Apesar da influência religiosa, na última década os movimentos sociais "estão abandonando o discurso religioso, utópico, marxista-cristão e assumiram o discurso pragmático-capitalista neoliberal", assinala o psicólogo e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, Nadir Lara Junior. Segundo ele, três fatores explicam a mudança na atuação dos movimentos sociais: a eleição do presidente Lula à presidência da República com a incorporação dos movimentos sociais ao Estado; as ações políticas administrativas do Papa João Paulo II, que culminaram num recuo da Igreja em relação às Comunidades Eclesiais de Base - CEBs; e a ascensão dos evangélicos no cenário religioso. Novamente, a religião voltou a exercer influência na política, a partir do boom do movimento neopentecostal, que chegou aos movimentos sociais "com um arcabouço político, ideológico, religioso de sua matriz neopentecostal, que é extremamente pragmática".

Diante dessas mudanças conjunturais, a formação dos militantes dos movimentos sociais passou a ser "instrumental, ou seja, uma formação para ensinar o militante a se movimentar dentro das burocracias das políticas públicas. (...) De certa forma, os movimentos sociais se reduzem a formarem seus quadros não na oposição, na crítica, na política, mas sim numa certa subserviência travestida de participação política. A política pública virou a participação política", avalia.

Na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line, o pesquisador também comenta a ascensão da bancada evangélica no Congresso e a influência da religião nas eleições municipais deste ano. "Não adianta os candidatos laicos criticarem os candidatos religiosos, ainda mais num momento em que o Estado laico está mostrando uma dimensão de desonestidade política muito assustadora. Quando você debate com um candidato assim, não sabe se ele é de esquerda, de direita, de centro, se ele está agradando você porque ele quer seu voto ou porque quer lhe ludibriar. Então, essa diluição da fronteira política no Estado laico faz com que os candidatos religiosos cresçam, porque eles não omitem a sua ideologia", aponta.
Nadir Lara Junior (foto) é graduado em Psicologia, mestre e doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, com a tese A mística do MST como laço social. É professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Historicamente, como as religiões e a religiosidade influenciaram a formação política e constituíram o núcleo ideológico dos brasileiros?

Nadir Lara Junior - Várias pesquisas demonstram como a questão da religiosidade marcou a formação do povo brasileiro. A professora Maria Isaura Pereira de Queiroz apontou as experiências messiânicas existentes no Brasil desde os indígenas e como eles traziam esses elementos religiosos, os quais serviram de referência para criar um sentimento de revolta e indignação contra a opressão portuguesa.

Depois de 1950, quando o cristianismo já tinha se alastrado e criado um tipo de religiosidade mais sincrética, misturando elementos das religiões afro e indígenas, que denominamos de religiosidade popular, que constitui o universo simbólico do povo brasileiro. Posteriormente, a partir de 1960, a Igreja Católica introduz a Teologia da Libertação, quando passa a observar a experiência das comunidades mais pobres do Brasil e a fundamentar isso teoricamente, numa experiência cristã mais aprofundada. A Igreja assume essa realidade não como um elemento negativo, pejorativo da cultura, mas como um elemento religioso e político, porque a Teologia da Libertação sofre uma influência do cristianismo e do marxismo. Então, aqueles aspectos que já faziam parte da cultura brasileira são sistematizados pela Teologia da Libertação, que começa a organizar o povo a partir desta experiência de religiosidade popular, que já estava presente na cultura. Tanto que os métodos usados por essa teologia são ler a Bíblia a partir da realidade, ensinar as pessoas a ler e escrever, alfabegtizar, capacitá-las a compreender seus direitos a partir da experiência de Jesus Cristo, que é visto como o libertador da opressão que está instalada historicamente.

Movimentos sociais e a Teologia da Libertação
A partir da sistematização da Teologia da Libertação e das leituras que os teólogos fizeram a partir dela, nasceram muitos movimentos sociais e atores políticos: o Movimento dos Sem Terra, Movimento dos Sem Teto, o Partido dos Trabalhadores, a Central Única dos Trabalhadores. São todas organizações políticas que nascem nessa efervescência de algo que já estava presente na cultura brasileira e que também foi impulsionada pelos teólogos e teólogas da libertação.

Particularmente falando, eu estudo política, não religião. Porém, para falar de política no Brasil, não posso ignorar a influência religiosa que sempre esteve presente. De acordo com o último censo, 92% das pessoas se declaram religiosas no país. E o próprio conceito de não declarar-se religioso no sentido de não estar vinculado a uma religião não significa que a pessoa não seja religiosa. Estamos em um país que é religioso; então, como falar de política cerceando a religião?

IHU On-Line - Qual foi a influência das religiões no processo de constituição da identidade e do discurso político dos movimentos sociais brasileiros? O senhor menciona que há uma crescente apropriação de elementos religiosos por parte dos movimentos sociais. Do que se trata especificamente?
Nadir Lara Junior - Boa parte dos movimentos sociais brasileiros nasce de uma influência cristã e da religiosidade popular, assim como de uma influência marxista. Esses são elementos fortes que marcam os movimentos sociais das décadas de 1980 e 1990. Entre os fenômenos político-religiosos, destaca-se a mística, que está presente no MST e que articula, dentro desse fenômeno, elementos religiosos, políticos e culturais. A mística é uma encenação, um ritual coletivo em que as pessoas cantam, celebram, elaboram hinos do próprio movimento para se prepararem e conseguirem alcançar seu próprio objetivo dentro do movimento e fora dele. Portanto, a mística é um elemento de constituição da identidade coletiva do MST e de outros movimentos que a assumem como elemento fundamental e estruturante. Trata-se de um elemento próprio do movimento que, assumidamente, faz política costurando esses elementos cristãos e marxistas.

IHU On-Line - Qual a raiz desta relação do catolicismo brasileiro com o marxismo? Por que parte da Igreja brasileira buscou elementos teóricos em Marx?
Nadir Lara Junior - Essa situação é complexa e central para compreender a trajetória da Igreja no Brasil. Na década de 1960, vivia-se a chamada guerra fria e o mundo estava dividido entre socialistas e capitalistas. Nesse período, a América Latina começa a ser influenciada por pensadores marxistas nas correntes intelectuais existentes. Essa influência se deu tanto pela vinda de operários europeus para as grandes cidades brasileiras - que trouxeram o marxismo e o anarquismo - como pelos intelectuais latino-americanos, que haviam estudado na Europa. Nessa época, o marxismo era um movimento intelectual que estava pairando pelas universidades europeias, onde os intelectuais brasileiros e latino-americanos estudavam e, portanto, ele exerceu muita influência aqui, especialmente porque havia uma tentativa de pensar uma ciência para a América Latina. É com esse objetivo que diversos intelectuais formularam teorias para tentar compreender a realidade latino-americana.

Paulo Freire, com sua pedagogia do oprimido, deu o grande "pontapé" no movimento intelectual da Libertação através da educação; Gustavo Gutierrez deu início à Teologia da Libertação; Enrique Dussel, na Argentina, iniciou os estudos da Filosofia da Libertação; e Ignacio Martín-Baró, que morreu junto com Ignacio Ellacuría, fundamentou a Psicologia da Libertação. Então, iniciou-se um movimento para pensar a ciência a partir de um jeito de ser latino-americano, o qual foi fortemente influenciado pelo marxismo.

Os teólogos latino-americanos, quando chegaram à Europa e estudaram marxismo, compreenderam que a visão de comunidade, de viver sem opressão - o que o marxismo propõe -, estava próximo das propostas do cristianismo. A partir daí começaram a ver uma grande semelhança entre o comunismo e o comunitarismo cristão. A própria ideia de Jesus libertador é a do materialismo histórico, ou seja, a de trabalhar com questões da realidade. Em outras palavras, a Teologia da Libertação torna o Jesus metafísico em um Jesus material, sem perder a dimensão mística. Eles conseguem trazer Jesus para a materialidade e passam a atuar com uma força muito grande, especialmente nas periferias.

IHU On-Line - Quais foram as principais transformações no campo religioso e político da última década, e como elas influenciaram a prática e o discurso político dos movimentos sociais?
Nadir Lara Junior - Na última década ocorreram três mudanças muito significativas: o número de evangélicos saltou de15% para 22%, gerando um boom demográfico; um ex-sindicalista (Lula), que atuava junto às Comunidades Eclesiais de Base - CEBs, à Central Única dos Trabalhadores - CUT e ao sindicato, chegou ao poder; e houve um recuo da Igreja Católica em função de uma ação política administrativa do Papa João Paulo II, que determinou o recuo de incentivo às CEBs, deixando também de nomear bispos ligados à Teologia da Libertação - assim, os seminários saíram das mãos de padres da Teologia da Libertação -, e incentivando o movimento pentecostal dentro da Igreja Católica.

Esses três elementos começam a circular na sociedade brasileira e afetam principalmente os movimentos sociais porque, antes de Lula assumir a presidência, eram justamente os membros da Igreja Católica, das igrejas protestantes históricas, partidos políticos e dos sindicatos que ofereciam formação política para os integrantes dos movimentos sociais. Com a chegada de Lula ao poder, há uma mudança radical: um recuo dos sindicatos, partidos e dos movimentos sociais e uma associação deles com o governo. Diante dessa nova conjuntura, um ex-líder sindical vira ministro e passa a negociar a greve com o amigo que deixou no sindicato. Criou-se um problema, porque as principais lideranças dos movimentos sociais começaram a ser chamadas para participar do governo e a representar os movimentos sociais que, até o dia anterior às eleições, eram contra o Estado e, dias após as eleições, se tornaram o próprio Estado. A partir desse momento, surge um problema de identificação, de quem são os movimentos sociais e de quem é o Estado. O Estado, que foi sempre o inimigo ("fora FHC, fora FMI, fora neoliberalismo"), de repente começa a chamar membros dos movimentos para compor secretarias, cargos de confiança etc.
Formação instrumental
Diante da nova configuração, há um recuo na formação política, e o movimento social passa a ter de prover a formação política para seus membros. Este é o tema da minha atual pesquisa, e já pude constatar que a formação dos movimentos sociais da última década estão se tornando instrumental, ou seja, uma formação para ensinar o militante a se movimentar dentro das burocracias das políticas públicas. Não nego a importância das políticas públicas. O que afirmo é que os movimentos sociais, de certa forma, se reduzem a formar seus quadros não na oposição, na crítica, na política, mas sim numa certa subserviência travestida de participação política. A política pública virou a participação política. Com isso acaba-se com toda a história de contestação dos movimentos sociais, reduzindo-os a um quadro técnico. O próprio movimento acaba profissionalizando uma pessoa na política pública, e o Estado contrata a mão de obra qualificada pelo movimento, e assim ele fica fragmentado. Isso gera um problema porque os movimentos vão perdendo a dimensão da crítica.

IHU On-Line - Essa mudança diz respeito aos movimentos sociais e sindicatos do mundo todo ou está restrita ao Brasil?
Nadir Lara Junior - Essa é uma característica brasileira. Inclusive a atuação dos movimentos sociais no país é bem característica, e bastante diferente do que existe no exterior. Diante da crise econômica surgem outras formas de manifestações, como o Movimento dos Indignados, da Espanha, ou Occupy Wall Street, dos EUA. Os movimentos de ocupação são uma tentativa de organização popular longe do Estado e dos partidos para demarcar uma fronteira.

IHU On-Line - Esses novos movimentos sociais não têm representatividade política. Como poderão fazer a diferença?
Nadir Lara Junior - A atuação dos antigos movimentos deixou de herança uma concepção para os novos movimentos: é preciso mexer na estrutura do Estado. Por isso a ideia de revolução novamente volta à pauta. Fazer revolução ou falar de mudança social hoje em dia é um escárnio. Parece uma ideia de pessoas ultrapassadas, mas nunca se teve tão em voga como hoje a necessidade de se discutir dois elementos: ideologia política, porque ela foi sepultada junto com a aproximação dos movimentos sociais com o Estado; e o que é revolução hoje, ou seja, que tipo de mudança social queremos.

Esses aspectos são importantes porque o Estado brasileiro, desde seu surgimento, nunca foi reconstruído; ele vive de reformas e está sempre reformando a educação, a saúde. Basta ver que até hoje o país está reformando o Estado da ditadura militar. E nós, intelectuais, não paramos para provocar, no cenário político, uma discussão. Já vimos que não há como fazer alianças com este Estado, mesmo estando no poder um ex-sindicalista, porque seremos sempre engolidos.

IHU On-Line - Mas como fugir dessa negociação, se o Estado é constituído pelas oligarquias?
Nadir Lara Junior - Saber disso já é alguma coisa. Foucault fala do saber e do poder. Saber que precisamos colocar na pauta a mudança do Estado já é uma transformação imensa. Mas hoje ninguém quer saber disso. Está todo mundo fascinado com o Estado, porque a economia brasileira está estável, todos querem aumento salarial, e todo mundo está satisfeito com essa "coisa" que o Brasil vive - e eu digo "coisa", porque não sabemos descrever isso. Estamos fascinados e não paramos para avaliar o Estado.

Entra campanha, sai campanha, todos os políticos falam de reformar a saúde, a educação, a moradia e a segurança. Se os políticos resolvessem esses quatro problemas, não teriam o que dizer nas campanhas políticas, porque só falam disso. Não se fala em aperfeiçoamento de saúde, educação, mas do primário. Quer dizer, fala-se de as pessoas terem um teto para morar, de as crianças terem banheiros nas escolas, e do mais elementar: do fato de que essas oligarquias continuam com as mesmas políticas há séculos. O nosso grande desafio é saber disso, diante de uma sociedade que insiste em não querer saber.

IHU On-Line - O que distingue o discurso dos movimentos sociais brasileiros hoje de uma década atrás?
Nadir Lara Junior - A partir da minha pesquisa, posso dizer que diante da interpelação do Estado, os movimentos sociais estão abandonando o discurso religioso, utópico, marxista-cristão e assumindo o discurso pragmático-capitalista neoliberal. Então, o discurso da maioria dos militantes é praticar uma política pragmática, embora muitas vezes eles nem se deem conta disso. Alguns intelectuais dizem que o pragmatismo é necessário. Concordo, desde que se saiba o que se está reproduzindo com ele. Quando se assume, nesse contexto específico, um discurso neoliberal, está-se depondo contra esse processo histórico de formação dos movimentos e favorecendo as oligarquias, o Estado capitalista e o mundo desigual.

IHU On-Line - Essa é uma tendência crescente no mundo do trabalho.
Nadir Lara Junior - Sim, porque retiramos do mundo do trabalho as discussões ideológicas que nos unem e nos afastam: quem é esse Estado? Quem é nosso patrão? Quem é esse governo? A geração atual está pegando o mundo que a geração anterior deixou: muitos que eram de esquerda hoje estão abraçados com os de direita. Como os jovens irão acreditar nesse modelo? Diante de tal conjuntura novas manifestações estão surgindo. As pessoas estão falando e criticando o sistema de outro jeito, usando as redes sociais, por exemplo. Existem novas formas de pensar e que ainda são embrionárias.

IHU On-Line - Como ocorre a relação entre política e religião no cenário político atual? Nesse sentido, como vê a atuação da bancada "religiosa" no cenário político brasileiro?
Nadir Lara Junior - O boom do movimento neopentecostal chegou aos movimentos sociais e nas políticas públicas. Como eles chegam a estes lugares? Com um arcabouço político, ideológico, religioso de sua matriz neopentecostal, que é extremamente pragmática. O neopentecostalismo nasce com uma experiência da periferia dos EUA, e o governo estadunidense se apropria disso, fazendo um canal para divulgar as ideologias neoliberais com seus elementos: individualismo e pragmatismo. Essa combinação ideológica de neoliberalismo e neopentecostalismo entra no movimento social e torna tudo muito pragmático. Em geral, o evangélico participa do movimento social, porém não quer discutir questões mais amplas relacionadas à política, mas sim o acesso a casa, a universidade etc.

Bancada religiosa
Há poucos dias li a tese de doutorado de Bruna Dantas sobre a bancada evangélica no Congresso. Ela analisa a ideologia da bancada evangélica, hoje, e mostra como os evangélicos se estruturam para pautar algumas políticas dentro do cenário nacional baseados em ideias religiosas. Por isso que uma série de temas com implicações morais não são aprovadas, como a questão do aborto e a da homossexualidade.

Muitos votos começam a ser direcionados aos pastores das igrejas. Começamos a remontar um novo tipo de voto de cabresto, como tinha antigamente no interior do Brasil. Mas como disse, não podemos culpá-los nem praguejá-los, porque estão exercendo tudo aquilo que o Estado lhes permite fazer. Da mesma forma que os evangélicos defendem questões morais, os ruralistas defendem pautas de seus interesses. Só os trabalhadores não se organizam para se fazer representar.

IHU On-Line - São os membros evangélicos, e não as igrejas, que se relacionam com os movimentos sociais? A atuação é diferente daquela do catolicismo?
Nadir Lara Junior - É diferente. O pastor vai aos encontros do movimento para rezar, dar um apoio, mas ele não representa o apoio da igreja ao movimento. A igreja apoia o seu fiel para que ele consiga algo pontualmente.

IHU On-Line - A influência evangélica cresce em diversos movimentos sociais?
Nadir Lara Junior - Sim. O MST há muito tempo tem uma influência evangélica; os movimentos de moradia de São Paulo também. Da mesma forma, os evangélicos se aproximam dos movimentos LGBT, nos cultos específicos.

IHU On-Line - Como vê a representatividade das igrejas tradicionais junto dos movimentos sociais?
Nadir Lara Junior - A Igreja enquanto instituição se retira dessa discussão, mas isso não quer dizer que padres, freiras e religiosos façam o mesmo. Ainda há um grupo importante de padres e religiosos que dão suporte a esses movimentos. Tenho um colega antropólogo que estuda a relação das freiras nas favelas do Rio de Janeiro e a liderança que elas ainda exercem nesses locais. Isso demonstra que têm muitos religiosos resistindo, especialmente no interior e nas áreas de fronteiras. A Igreja Católica e as protestantes históricas ainda são referência nessas questões enquanto congregações.

IHU On-Line - Quais os limites da interferência religiosa no cenário político? Como fica a discussão acerca do Estado laico no Brasil?
Nadir Lara Junior - Nós temos de entender o Brasil. Somos um Estado laico com 92% de pessoas que se declaram religiosas, cujo lema nas cédulas de dinheiro é "Deus seja louvado". Então, temos uma realidade própria e só sabemos fazer política se tivermos os atravessamentos religiosos. Não quero ser reducionista e dizer que a política é de um jeito ou de outro, mas temos de considerar as questões que estão postas. O Brasil é um país complexo, porque na Europa, se observarmos os teóricos políticos, há uma ideia de que as coisas são mais divididas, disciplinadas, organizadas. Foucault mostra como o disciplinamento na Europa aconteceu muito cedo, só que nós vivemos em um país em que o ordenamento social é outro: as pessoas pensam e se relacionam de outro jeito, e a política ainda é muito embrionária, porque o país saiu de uma ditadura há pouco tempo. Tudo no Brasil é muito próprio e característico. Não sou um defensor da religião, mas temos de olhar para ela, porque exerce influência.

IHU On-Line - Como o senhor vê o uso do espaço público, como a televisão, pelas religiões?
Nadir Lara Junior - Vivemos num Estado democrático capitalista. O que isso significa? Significa que quem paga tem, e quem não paga não tem; quem tem dinheiro faz o que quer, e quem não tem dinheiro não faz nada. Os evangélicos neopentecostais entenderam muito bem essa linguagem. Eles pagam para ter acesso a determinados horários na televisão, no rádio. E dentro de uma sociedade capitalista, quem vai regular isso?

Em um país em que há liberdade religiosa, como dizer que eles estão errados e que não podem utilizar esse espaço? Tem de cuidar para que não se crie uma guerra religiosa. Por isso não podemos ficar restritos a essa questão, temos de ampliar o debate, discutir se esse Estado está funcionando para todos. O capitalismo e o neoliberalismo que estamos implantando a cada dia na universidade, na escola, estão formando que tipo de sujeito?

De acordo com a Organização Mundial da Saúde - OMS, a doença do século XXI são as doenças mentais. Temos visto pelas notícias da imprensa que quanto mais capitalistas são os Estados, mais psicopatas eles formam. E aí eu pergunto: Como vamos formar uma geração sem valores, sem escrúpulo? Nesse sentido, Marx ajuda a compreender algumas coisas a partir da realidade histórica, material. O capitalismo cria ideologias para que se considere um psicopata como algo normal, natural, parte do cenário, um fraco e único culpado parte da história, da mesma forma que ser oprimido pelo patrão é natural, e o importante é consumir. Vivemos a base de ideologias desse tipo, que nos fazem viver num engodo praticamente irreversível.

IHU On-Line - A religião determina o voto? Como explicar ascensão de candidatos evangélicos, como Celso Russomanno em São Paulo?
Nadir Lara Junior - O ministro José Eduardo Cardozo já disse que é preciso fazer uma reforma política, mas não se pode tocar em questões religiosas. Isso diz alguma coisa. Como pode um ministro de um Estado laico fazer esse tipo de afirmação? O candidato à prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno, é abertamente um candidato da Igreja Universal do Reino de Deus. Uma igreja que está fazendo aquilo que sempre quis fazer e se propôs a fazer: formar lideranças políticas e chegar ao mais alto dos cargos possíveis. Eles estão fazendo isso com muita competência, com muito dinheiro, e estão chegando lá.

Gostaria de destacar que não sou contra ou a favor dos evangélicos; apenas estudo o fenômeno político. A sociedade democrática é feita por disputas, e elas são vencidas por quem está melhor organizado. Por que os movimentos sociais estão pagando seu preço? Porque eles se retiraram das periferias mais pobres, se retiraram dos debates mais prementes, e assim acabam negando as origens  políticas que os colocaram no poder.

Adversário político
Os que se opõem aos evangélicos não devem percebê-los como um inimigo a ser destruído, mas como um adversário. É legítimo se opor a eles no cenário político, debater, porque eles sempre disseram de onde vêm, o que fazem e o que vão fazer. O Edir Macedo nunca negou que queria chegar à presidência da República. Eles nunca deixaram de cobrar dízimo; foram sempre explícitos. O que quero relativizar nesse sentido é que esses fatos são públicos, e todo mundo sabe. O que não é público é o nome do político que rouba a merenda escolar. Quero colocar o debate na instância política. Então, não adianta os candidatos laicos criticarem os candidatos religiosos, ainda mais num momento em que o Estado laico está mostrando uma dimensão de desonestidade política muito assustadora. Quando você debate com um candidato assim, não sabe se ele é de esquerda, de direita, de centro, se ele está agradando você porque ele quer seu voto ou porque quer lhe ludibriar. Então, essa diluição da fronteira política no Estado laico faz com que os candidatos religiosos cresçam, porque eles não omitem a sua ideologia - isso não quer dizer que eu concorde com ela.

IHU On-Line - Diante da atuação política dos evangélicos, o que podemos esperar para as próximas eleições municipais? Uma ascensão de políticos religiosos?
Nadir Lara Junior - Sim, e o Russomanno, em São Paulo, é a prova cabal disso. Este candidato está derrotando - a princípio, as pesquisas mostram isso - candidatos tradicionalíssimos, como José Serra, e está desbancando inclusive o candidato do PT, mesmo com o apoio de Lula e de toda a máquina governamental. Isso quer dizer alguma coisa. O que isso quer dizer? Que o Russomanno, em nenhum momento, nega sua filiação à Igreja Universal, e isso mostra uma honestidade política - não quer dizer que eu concorde com isso. Ele nunca disse que deixará de defender os valores da bancada evangélica. Então o povo começa a perceber que entre ele e os outros, há ainda um princípio de honestidade que falta nos demais políticos.

IHU On-Line - Quais as relações entre religião e política no cotidiano? Como essa relação, de um lado, emancipa os cidadãos e, de outro, aliena?
Nadir Lara Junior - O nosso cotidiano está recheado de questões religiosas. Há algum problema nisso? Não, depende do uso que se faz disso. A nossa religiosidade está sendo leiloada pelo marketing, pelo governo, ou por pessoas que já entenderam que essa pré-disposição religiosa rende lucro ou voto. Esse é o grande problema. Com esse recuo da formação política nas bases, a propensão da religião alienar aumenta muito, e há um cenário muito fértil para que religião seja tomada como ópio do povo. Estamos diante de um problema gravíssimo que precisa ser pensado.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

ELEIÇÃO EPISCOPAL NA DASP



(posted by SINEAB)

No fim da manhã do dia 08 de setembro de 2012, a Diocese Anglicana de São Paulo (DASP) elegeu o Reverendíssimo Flávio Irala, o 6º Bispo da sua história.
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Foram apresentados dois candidatos a saber, o Reverendo Francisco César Fernandes (atual Reitor da Paróquia de São João, no bairro de Pinheiros/São Paulo) e o Reverendíssimo Flávio Irala (Deão da Catedral de São Tiago, em Curitiba/PR).
Na noite anterior,  no dia 07 de setembro, os delegados e delegadas participaram de um momento de maior aproximação e de conhecimento dos candidatos através de uma rodada de perguntas.

Debate durante a eleição episcopal
No dia seguinte teve início ao Concílio Extraordinário, no Centro de Formação Sagrada Família (bairro do Ipiranga), com a Celebração Solene da Santa Comunhão, presidida pelo Bispo Diocesano Dom Roger Douglas Bird, acompanhado pelos candidatos e por clérigos diocesanos e contando com a presença dos delegados e delegadas conciliares.
 Celebração da Santa Comunhão
Posteriormente, seguindo as normas canônicas e da agenda prevista, às 10 horas, ocorreu a abertura formal dos trabalhos. A Câmara dos Clérigos e a Câmara dos Leigos puderam votar em urnas separadas.  O resultado final foi alcançado já no 1º Escrutínio por maioria dos votos a favor do Reverendíssimo Flávio Irala.

O cântico do Gloria in Excelsis foi entoado por todos os presentes cumprindo uma velha tradição da Igreja. Logo após, os candidatos tiveram a oportunidade de  fazer os seus agradecimentos e suas declarações de apoio pastoral ao Povo e ao Clero no fortalecimento da unidade de toda a DASP.
Uma vez que a Diocese Anglicana de São Paulo elegeu o seu bispo, agora o processo deverá seguir os passos previstos nos Cânones Gerais da IEAB  sobre Eleições Episcopais e aguardar o pronunciamento formal de toda a Província.

BREVE HISTÓRICO DA CAMINHADA DO NOVO BISPO ELEITO

Por Xico Esvael

Reverendíssimo Flávio Augusto Borges Irala, 58 anos, atual Deão da Catedral Anglicana de Curitiba, nasceu em Bagé-RS, onde foi batizado e confirmado na Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. Ao longo de sua vida tem testemunhado sua fé em Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, prestando relevantes serviços na IEAB.
No início dos anos 70, exerceu significativa liderança junto à juventude da Diocese Sul Ocidental. Destacando-se o seu primeiro trabalho como compositor e músico para uma Celebração Litúrgica que tinha como objetivo renovar a hinologia e acolher os jovens através de uma linguagem que os identificasse, poética e musicalmente. Este ofício eucarístico, realizado na Matriz do Crucificado, Bagé, teve como Celebrante o Rev. Joaquim Teixeira Guedes e pregador o Rev. Orlando Santos de Oliveira, atual Bispo da Diocese Meridional em Porto Alegre. Este fato marcou definitivamente a carreira do Rev. Flávio, que o tornou reconhecido como uma autoridade na hinologia contemporânea.
Nos primeiros anos de aprendizado e serviços missionários na Diocese Sul Ocidental, participou de Concílios e vários Encontros Missionários Diocesanos, a destacarem-se os Eventos Artísticos Evangelísticos, realizados em Escolas Públicas e da própria Diocese que suscitou novos membros para a IEAB, sendo que alguns deles seguiram carreira sacerdotal tornando-se clérigos.
Ainda em meados dos anos 70 transferiu-se para o Rio de Janeiro onde passou a servir na Paróquia do Redentor, sob a orientação pastoral do Rev. Celso Franco de Oliveira, atualmente Bispo aposentado daquela Diocese. Na capital fluminense, continuou compondo e exercendo liderança paroquial e diocesana.          Após alguns anos, mais precisamente em 1979, atendendo a convite transferiu-se para São Paulo, ingressando como aluno no Instituto Anglicano de Estudos Teológicos, onde se bacharelou. Na capital paulista, enquanto estudava, engajou-se nos movimentos missionários realizados pela Diocese, como os Encontros do Povo de Deus, Encontro de Treinamento de Líderes, Encontros da Juventude, da gravação daquele que viria a ser o primeiro disco (vinil) da IEAB, intitulado Vitral, com a participação dos jovens do coral da Paróquia da SS. Trindade e Encontros da Família Anglicana. Destaca-se também sua contribuição e participação no livro de partituras dos novos hinos e canções da IEAB: O Novo Canto da Terra, editado pelo IAET sob a coordenação do Rev. Jaci Maraschin.          Após formar-se no IAET, foi ordenado diácono da IEAB, sendo designado para trabalhar na Missão em Cubatão no litoral paulista, onde realizou importante trabalho junto aos moradores da região, alguns deles operários do polo petroquímico, pescadores e do porto de Santos. Após sua ordenação ao Presbiterado, trabalhou como Arcediago  (Supervisor) e pároco nas paróquias e missões do ABC, São Lucas (Vila Maria), São João (Pinheiros) e São Lucas (Londrina-PR).
Participou do Conselho Diocesano da DASP. Como pároco da São João enfrentou na companhia da congregação, os desafios da demolição arbitrária do templo e salão paroquial, realizada pela prefeitura para atender a um projeto de ampliação da Av. Faria Lima. Participou e lutou, com fé e  coragem, junto com os paroquianos, da resistência organizada pelos munícipes e moradores da região de Pinheiros.   Liderou a construção do novo Templo, criou um Centro Comunitário que atendia, com técnicos especializados, as pessoas carentes da região (com sua transferência para outra paróquia esse trabalho não logrou continuidade). Quando foi convidado para trabalhar em Londrina, na Paróquia de São Lucas, realizou um trabalho com deficientes visuais.
Como compositor é autor de inúmeras canções e antífonas salmodiais publicadas e executadas para além das fronteiras Anglicanas, onde obtém reconhecimento internacional e interdenominacional. Como Deão da Catedral Anglicana de São Tiago (Curitiba), realiza importante trabalho social e pastoral junto aos moradores de rua da capital Paranaense.
Participou e participa de várias Comissões e Grupos de Trabalhos Provinciais e Diocesanos, destacando-se os GTs que trabalham na edição do Livro de Oração Comum e Hinário Episcopal, 2013, com novas contribuições litúrgicas e hinológicas numa pastoral em sintonia com os anseios da sociedade contemporânea. Representando a Diocese Anglicana de Curitiba, integra o Conselho Executivo da IEAB (CEXEC), contribuindo junto aos representantes das outras Dioceses com a administração da Igreja Nacional.

Como seguir Jesus (Mc 8,27-35) - Mesters e Lopes

por CEBI Publicações

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COMO SEGUIR JESUS
MARCOS 8,27-35


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O texto de hoje descreve a cegueira de Pedro que não entende a proposta de Jesus quando este fala do sofrimento e da cruz. Pedro aceita Jesus como messias, mas não como messias sofredor. Ele está influenciado pela propaganda do governo da época que só falava do messias como rei glorioso. Pedro parecia cego. Não enxergava nada e ainda queria que Jesus fosse como ele, Pedro, o queria. Vamos conversar sobre isto!

SITUANDO
No início deste quarto bloco estão a cura de um cego - Mc 8,22-26 -, o anúncio da cruz e a explicação do seu significado para a vida dos discípulos - Mc 8, 27 a 9,1. A cura do cego foi difícil. Jesus teve que realizá-la em duas etapas. Igualmente difícil foi a cura da cegueira dos discípulos. Jesus teve que fazer uma longa explicação a respeito do significado da cruz para ajudá-los a enxergar, pois era a cruz que estava provocando neles a cegueira.
Nos anos 70, quando Marcos escreveu, a situação das comunidades não era fácil. Havia muito sofrimento, muitas cruzes. Seis anos antes, em 64, o imperador Nero tinha decretado a primeira grande perseguição, matando muitos cristãos. Em 70, na Palestina, Jerusalém estava sendo destruída pelos romanos. Nos outros países, estava começando uma tensão forte entre judeus convertidos e judeus não-convertidos. A dificuldade maior era a cruz de Jesus. Os judeus achavam que um crucificado não podia ser o messias tão esperado pelo povo, pois a lei afirmava que todo crucificado devia ser considerado como um maldito de Deus (Dt 21,22-23).

COMENTANDO
Marcos 8,27-30: VER - levantamento da realidade
Jesus perguntou: ''Quem diz o povo que eu sou?'' Eles responderam relatando as várias opiniões do povo: ''João Batista'', ''Elias ou um dos profetas''. Depois de ouvir as opiniões dos outros, Jesus perguntou: ''E vocês, quem dizem que eu sou?'' Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o Messias''. Isto é, és aquele que o povo está esperando. Jesus concordou com Pedro, mas proibiu de falar sobre isso ao povo. Por que Jesus proibiu? É que naquele tempo, todos esperavam a vinda do messias, mas cada um do seu jeito: uns como rei, outros como sacerdote, doutor, guerreiro, juiz ou profeta. Ninguém parecia estar esperando o messias servidor, anunciado por Isaías (Is 42,1-9).
Marcos 8,31-33: JULGAR - esclarecendo a situação - primeiro anúncio da paixão
Jesus começa a ensinar que ele é o Messias Servidor e afirma que, como o Messias Servidor anunciado por Isaías, será preso e morto no exercício da sua missão de justiça. Pedro leva um susto, chama Jesus de lado para desconcertá-lo. E Jesus responde a Pedro: ''Vá embora, Satanás''. Você não pensa as coisas de Deus, mas as dos homens''. Pedro pensava ter dado a resposta certa. De fato, ele disse a palavra certa ''Tu és o Cristo''. Mas não lhe deu o sentido certo. Pedro não entendeu Jesus. Era como o cego de Betsaida. Trocava gente por árvore. A resposta de Jesus foi duríssima ''Vá embora, Satanás''. Satanás é uma palavra hebraica que significa acusador, aquele que afasta os outros do caminho de Deus. Jesus não permite que alguém o afaste da sua missão.
Marcos 8,34-47 - AGIR - condições para seguir
Jesus tira as conclusões que valem até hoje - Quem quiser vir após mim tome sua cruz e siga-me. Naquele tempo, a cruz era a pena de morte que o Império Romano impunha aos marginais. Tomar a cruz e carregá-la atrás de Jesus era o mesmo que aceitar ser marginalizado pelo sistema injusto que legitimava a injustiça. A cruz não é fatalismo, nem é exigência do Pai. A cruz é a consequência do compromisso livremente assumido por Jesus de revelar a Boa Nova de que Deus é Pai e que, portanto, todos e todas devem ser aceitos e tratados como irmãos e irmãs. Por causa deste anúncio revolucionário, ele foi perseguido e não teve medo de dar a sua vida. Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão.

A Igreja anglicana planeja nomear um presidente



por A reportagem é publicada pelo sítio Religión Digital

A Igreja anglicana estuda instituir uma nova "figura presidencial" que compartilhe as tarefas de direção do coletivo, segundo afirma o atual primaz anglicano e arcebispo da Cantuária, Rowan Williams, numa entrevista publicada pelo "Daily Telegraph".
Williams, que se aposentará do cargo no próximo mês de dezembro, disse que os trabalhos de administração da Igreja anglicana, que possui cerca de 77 milhões de fiéis no mundo, são muito amplos para apenas uma pessoa.

Por este motivo, estuda-se criar a figura de um presidente que se ocupe das tarefas administrativas e de representação, em todo o mundo, de forma que os futuros arcebispos da Cantuária possam centrar-se em facilitar a liderança espiritual e em guiar a Igreja da Inglaterra.

Em suas declarações, o arcebispo admite que, ao longo de dez anos como primaz, cometeu "erros", e reconhece que talvez não tenha feito o suficiente para evitar uma cisão dentro do credo anglicano, devido ao assunto da ordenação de padres homossexuais, que causou a separação de igrejas anglicanas.

O arcebispo da Cantuária, Rowan Williams, admitiu que a Igreja anglicana cometeu falhas em relação a proteção de menores que sofreram abusos sexuais, durante duas décadas, na diocese de Chichester (sudeste da Inglaterra). O primaz da Igreja anglicana, que ordenou uma investigação em fins de 2011, sobre esses casos, "confirma que houve muitas falhas continuadas na implementação de uma política de proteção sólida e credível". "Ficou claro que muitas vidas ficaram arruinadas", apesar de que "alguns buscaram justiça por meio dos tribunais", apontou o documento.

O arcebispo ressaltou que os casos de abusos de menores, em Chichester, são "específicos" dessa diocese, embora sublinhou que carreguem "lições para o resto da Igreja anglicana aprender".

O ex-bispo de Chelmsford, John Gladwin, e o chanceler Rupert Bursell, advogado da Igreja, foram os encarregados de efetuar uma investigação que analisou os motivos pelos quais dois padres envolvidos em casos de pedofilia, entre os anos 1980 e 1990 (Roy Cotton e Colin Pritchard), foram autorizados a continuar em seus postos de trabalho.

"O dano permanente que foi causado é algo que nenhum de nós pode ignorar. Espero que elas (as vítimas) saibam que nós tomamos sua experiência com a máxima seriedade. Devemos-lhes não apenas palavras de desculpa, mas também nosso mais profundo esforço para assegurarmos que nossas igrejas são lugares seguros para as crianças", ressaltou o arcebispo.


sábado, 8 de setembro de 2012

Acolhendo os excluídos (Mc 7, 31-37) - Carlos Mesters e Mercedes Lopes

                                                                                             por CEBI Publicações

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Marcos 7,31-37

Texto extraído do livro "CAMINHANDO COM JESUS". Da Série A Palavra na Vida 182/183 de Carlos Mesters e Mercedes Lopes. Publicação CEBI. Mais informaçãos em vendas@cebi.org.br




ABRIR OS OLHOS PARA VER
No texto de hoje, veremos como Jesus atende a uma mulher estrangeira de outra raça e de outra religião, o que era proibido pela lei religiosa daquela época. Inicialmente, Jesus não queria atendê-la, mas a mulher insistiu e conseguiu o que queria: a cura da filha. Vamos conversar sobre isso.

SITUANDO
Jesus vai tentando abrir a mentalidade dos discípulos e do povo para além da visão tradicional. Na multiplicação dos pães, ele tinha insistido na partilha (Mc 6,30-44). Na discussão sobre o puro e o impuro, tinha declarado puros todos os alimentos (Mc 7,1-23). Agora, neste episódio da mulher cananéia, ele ultrapassa as fronteiras do território nacional e acolhe uma mulher estrangeira que não era do povo e com a qual era proibido conversar. Estas iniciativas de Jesus, nascidas da sua experiência de Deus como Pai, eram estranhas para a mentalidade do povo da época. Cresce para eles o mistério, aparece o não-entender.
A abertura crescente de Jesus era uma ajuda muito importante para as comunidades do tempo de Marcos. Elas eram um grupo pequeno, perdido naquele mundo hostil do Império Romano. Quando um grupo é minoria, sofre a tentação de se fechar sobre si mesmo. A atitude de abertura de Jesus era um estímulo para as comunidades não se fecharem, mas manterem bem viva a consciência missionária de anunciar a Boa Nova de Deus a todos os povos, como Jesus tinha pedido com tanta insistência.

COMENTANDO

Marcos 7, 29-30: A reação de Jesus
"Pelo que disseste: Vai! O demônio saiu da tua filha!" Nos outros evangelhos se explicita: "Grande é a tua fé! Seja feito como queres!" (Mt 15,28). Se Jesus atende ao pedido da mulher, é porque compreendeu que, agora, o Pai queria que ele acolhesse o pedido dela. Este episódio ajuda a perceber algo do mistério que envolvia a pessoa de Jesus e como ele convivia com o Pai. Era observando as reações e as atitudes das pessoas que Jesus descobria a vontade do Pai nos acontecimentos da vida. A atitude da mulher abriu um novo horizonte na vida de Jesus. Através dela, ele descobriu melhor que o projeto do Pai é para todos os que buscam a vida e procuram libertá-la das cadeias que aprisionam a sua energia.
Marcos 7, 31-36: Abrir o ouvido e soltar a língua
O episódio da cura do gago é pouco conhecido. Jesus está atravessando a região da Decápole. Decápole significa, literalmente, Dez Cidades. Era uma região de dez cidades ao sudeste da Galiléia, cuja população era pagã. Um surdo gago é levado a Jesus. O jeito de curar é diferente. O povo queria que Jesus apenas impusesse as mãos sobre ele. Mas Jesus foi muito além do pedido. Ele levou o homem para longe da multidão, colocou os dedos nas orelhas e com saliva tocou na língua, olhou para o céu, fez um suspiro profundo e disse: "Éffata!", isto é, "Abra-se!" No mesmo instante, os ouvidos do surdo se abriram, a língua se desprendeu e o homem começou a falar corretamente. Jesus quer que o povo abra o ouvido e solte a língua! Todo o povo ficou muito admirado e dizia: "Ele fez bem todas as coisas!" (Mc 7,37). Esta afirmação do povo faz lembrar a criação, onde se diz: "Deus viu que tudo era muito bom!" (Gn 1,31).
Marcos 7, 37: Jesus não quer publicidade
Ele proibiu a divulgação da cura, mas não adiantou. Quem teve experiência de Jesus vai contar para os outros, queira ou  não queira! As pessoas que assistiram à cura começaram a proclamar o que tinham visto e resumiram a Boa Notícia assim: "Ele fez bem todas as coisas".
Às vezes, se exagera a atenção que o Evangelho de Marcos atribui à proibição de divulgar a cura, como se Jesus tivesse um segredo a ser preservado. Na maioria das vezes que Jesus faz um milagre, ele não pede silêncio. Uma vez até pediu publicidade (Mc 5,19). Algumas vezes, porém, ele dá ordem para não divulgar a cura (Mc 1,44; 5,43; 7,36; 8,26), mas obtém o resultado contrário. Quanto mais proíbe, tanto mais a Boa Nova se espalha (Mc 1,28.45; 3,7-8; 7,36-37). Não adianta proibir! Pois a força interna da Boa Nova é tão grande que ela se divulga por si mesma!

ALARGANDO
Abertura para os pagãos no Evangelho de Marcos
Na época do AT, na rivalidade entre os povos, um povo costumava chamar o outro de "cachorro" (1Sm 17,43). Isto fazia parte da relação conflituosa que eles tinham entre si, na terra de Canaã, para formar um povo novo com direito à terra, à vida e à identidade própria. O enfrentamento entre Golias, o gigante filisteu, e Davi, o pastorzinho israelita, é uma amostra desta situação. Para Davi, vencer o filisteu pagão era salvar a honra tanto do povo israelita como do Deus vivo (1Sm 17,26). Quando Davi se aproxima para a luta sem as armas tradicionais, mas apenas com um bastão, Golias pergunta: "Será que sou um cachorro?" (1Sm 17,43).
Ao longo das páginas do Evangelho de Marcos, há uma abertura crescente em direção aos outros povos. Assim, Marcos leva os leitores e as leitoras a abrir-se, aos poucos, para a realidade do mundo ao redor e a superar os preconceitos que impediam a convivência pacífica entre os povos. Eis exemplos:
A mulher que Marcos nos apresenta era uma pagã, siro-fenícia de nascimento (Mc 7,26). No passado, nos tempos da rainha Jezabel e do profeta Elias, tinha havido rivalidade entre Israel e o povo da Fenícia ou de Canaã. Mas agora, a  mulher não está preocupada com as rivalidades do passado. Ela busca a libertação para a sua filha, dominada por um demônio (Mc 7,26). Ouve falar de um judeu que tem o poder de Deus para libertar do mal. Aqui, já não importam os preconceitos raciais. O que importa é a vida ameaçada da filha, vida oprimida que precisa ser libertada.
Na sua passagem pela Decápole, região pagã, Jesus atende ao pedido do povo do lugar e cura um surdo gago. Ele não tem medo de contaminar-se com a impureza de um pagão, pois, ao curá-lo, toca-lhe os ouvidos e a língua. Enquanto as autoridades dos judeus e os próprios discípulos têm dificuldades de escutar e entender, um pagão que era surdo e gago passa a ouvir e a falar pelo toque de Jesus. Lembra o cântico do servo: O Senhor Iahweh abriu-me os ouvidos e eu não fui rebelde (Is 50,4-5).
Ao expulsar os vendedores do templo, Jesus critica o comércio injusto e afirma que o templo deve ser casa de oração para todos os povos (Mc 11,17). Fazendo assim, ele resgata a profecia de Isaías que estendia a salvação aos estrangeiros e manda abolir as restrições da lei que proibia a participação de eunucos, bastardos e estrangeiros na assembleia de Iahweh (Dt 23,2-9).
Na parábola dos vinhateiros homicidas, Marcos faz alusão ao fato de que a mensagem será tirada do povo eleito, os judeus, e será dada aos outros, aos pagãos (Mc 12,1-12). Depois da morte de Jesus, Marcos apresenta a profissão de fé de um pagão ao pé da cruz. Ao citar o centurião romano e seu reconhecimento de Jesus como Filho de Deus, está dizendo que o pagão é mais fiel do que os discípulos e mais fiel do que os judeus (Mc 15,39).
A abertura para os pagãos aparece de maneira muito clara na ordem final dada por Jesus aos discípulos, depois da sua ressurreição: Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura (Mc 16,15).