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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Alimentos orgânicos nas garras do capital - Adital


Entrevista com Sebastião Pinheiro.

Caros Amigos Com o aumento da conscientização da sociedade sobre os prejuízos dos agrotóxicos à saúde, cresce a possibilidade da população ficar refém de mais uma falsa solução: os alimentos orgânicos.

Cada vez mais a população está consciente da incompatibilidade do desejo por qualidade de vida e o atual cotidiano das grandes cidades. Um dos pontos mais sérios acerca desta questão é o fato de uma pesquisa recente ter revelado que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Além disso, a campanha "Agrotóxico Mata”, encabeçada por movimentos sociais e estudiosos da área, estimou que cada brasileiro consome em torno de 5,2 litros de veneno por ano. O furor que a campanha está causando faz com que uma quantidade cada vez maior de pessoas tomem partido da necessidade de novos hábitos e padrões de alimentação.

No entanto, o oportunismo de grandes transnacionais traz o risco de não haver uma "transformação”, mas sim, mais uma readequação ao já arcaico modelo. Sobre isso, a Caros Amigos conversou com Sebastião Pinheiro, especialista no tema. Engenheiro Agrônomo e Florestal, atualmente Pinheiro atua no Núcleo de Economia Alternativa (NEA), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Entre outros livros, ele escreveu "Ladrões de Natureza” e "A Agricultura Ecológica e a Máfia dos Agrotóxicos no Brasil”. Neste ano, ele lançou a "Cartilha da Saúde do Solo”, que aborda temas como a importância do pequeno agricultor apoderar-se das técnicas tradicionais e eficazes que compõem, segundo Pinheiro, a "verdadeira biotecnologia”. Os textos também trazem dados de como as grandes transnacionais estão inviabilizando a prática da agricultura dos pequenos produtores, criando um novo mercado baseado na biotecnologia industrial, pretensamente "orgânica”.

Caros Amigos - Como o senhor vê a questão dos agrotóxicos hoje?

Sebastião Pinheiro- Em 1978 eu comecei a dar treinamentos sobre o uso de agrotóxicos. Havia pessoas que defendiam o bom uso dos agrotóxicos, e eu sempre dizia que o melhor uso do agrotóxico é não usá-lo. Eles diziam que eu estava louco. Em 1981, eu fui enviado pra Alemanha por Delfim Netto, do Ministério do Planejamento. Lá, eu percebi uma coisa fantástica: na Alemanha, o agrotóxico era coisa do passado, já era assim em 1981. A Alemanha toda estava preparando a biotecnologia de ponta para o futuro. Eu cheguei lá e vi que só se falava em agricultura alternativa, que aqui, hoje, se chama de orgânica. E agora nós estamos ainda brigando contra os agrotóxicos.

E como está a situação dos transgênicos?

Eu comecei discutir os transgênicos em 1986. Eu dizia que essa coisa não iria longe, as indústrias tinham que ter alguma coisa guardada na manga. Ninguém é imbecil de comer veneno e ter câncer, mesmo que isso seja uma indústria lucrativa. Ninguém vê, mas comer veneno e ter câncer é altamente lucrativo. Basta ver os doutores de oncologia. Qualquer pessoa que chega aos 65 anos começa a reclamar que dói a próstata, dói isso e dói aquilo. Quando não deveria ser assim. Não deveria ser macabro. Eu deveria ser feliz até morrer. Os transgênicos começam a ser criados como artifício industrial militarista-econômico-financeiro em 1930.

Como é a regulamentação dos transgênicos?

Em 1988, houve a Constituinte. O então deputado Carlos Araújo, ex-marido da Dilma, em uma ocasião me perguntou o que eu achava da constituinte gaúcha. Eu disse que teria que ser acrescentado um item. Disse que surgiria um tema que iria fazer com que os agrotóxicos ficassem no chinelo: os transgênicos. As multinacionais iriam exacerbar sua atuação e iriam concentrar seu poder. Ele acrescentou o item e hoje o artigo existe, é o 251 da Constituição: "toda pesquisa, trabalho ou atividade que envolva organismos geneticamente modificados deverão ter permissão prévia do estado do Rio Grande do Sul”. Na constituição gaúcha está escrito isso.

Qual o destino dos agrotóxicos?

Nós temos a Lei 7802/89. Vou repetir uma conversa que eu tive com o pessoal do MST daqui [ Rio Grande do Sul]. Eu disse para eles que para cada ato de fiscalização que eles me trouxessem dessa lei, eu pagaria 100 dólares – não tenho, mas pagaria. Qualquer ato de fiscalização da Lei Nacional dos Agrotóxicos, em qualquer um dos 25 estados da Federação. Lógico, não deve ser zero, deve ter um ou dois, aqui ou ali, mas por quê? Porque é proibido fiscalizar! A quem beneficia a lei hoje? Preste atenção, qual é a palavra criada por Bush para o mundo: a palavra terror. A palavra mais importante do planeta nesses últimos 10 anos foi terror. O terror impõe medo. O terror é o medo que o pequeno impõe ao grande quando o grande não consegue controlar o pequeno. Isso é terrorismo. O medo faz parte do cotidiano das pessoas. Quando você me traz a palavra agrotóxico, o contexto que eu vejo lá fora é de medo. Eu tenho medo do agrotóxico, então eu quero um alimento orgânico. Vai ser mais caro ou mais barato? Ele vai ser para uma elite mais abjeta e mais detestável. Essa é minha crítica à campanha dos agrotóxicos. Me dou muito bem com o Stédile, conheço ele, mas eu disse pra ele: não façam isso porque vocês não podem dar conta. Eu sempre uso uma expressão "ao inimigo eu não dou trégua, nem munição”. O problema do agrotóxico no mundo começa em 1961, quando a mulher norte-americana Rachel Carson, uma grande bióloga, descobre que está com câncer de mama, que era mortal naquela época. Ela escreve uma série de crônicas no New York Times sobre o que os Estados Unidos estavam fazendo com a sua agricultura. Na verdade, era o petróleo se transformando em agricultura. Ela compila isso no livro "Primavera Silenciosa”. Em 1968, tem início uma campanha contra os agrotóxicos no mundo inteiro. Quem é que faz essa campanha? As indústrias. Elas criam uma campanha controlada. Ou seja, conduzida e manipulada pelos interesses delas. Elas usavam a tecnologia. Quem tinha tecnologia de ponta de agrotóxico? Alemanha: 95%; Shell (anglo-holandesa); ESSO (grupo Rockfeller).

É possível produzir alimentos orgânicos para toda a sociedade?

E por que não?

De que forma se trabalha para isso?

Nós estamos fazendo uma campanha diferente. Nessa campanha, um curso foi dado ao MST, nos Filhos de Sepé, em Viamão (RS), durante três dias. Eu não estou mais falando de veneno, vou explicar o porquê. O veneno é um problema da indústria, não é um problema nosso. Qual é a minha preocupação: eu tenho um solo, se o solo é são, a semente colocada nele irá se desenvolver de forma sadia, o fruto dessa planta será sadio e quem comer o alimento vai ter saúde. Temos uma trilogia: solo são, planta sã, homem são. Preciso gastar algum dinheiro ou preciso trazer educação? Eu não retrocedo. A indústria pode induzir e manipular, mas eu estou lá na frente. A indústria jamais quer sua imagem afetada. Ninguém limpa a imagem de um produto no mercado. Hoje as empresas do ramo dos agrotóxicos estão com o pé preso. E eu vou manter o pé delas preso. A Bayer não vai se tornar uma empresa "sustentável” de "inóculos saudáveis”. Inóculos saudáveis são aqueles das vovós sertanejas. Aquilo sim é biotecnologia, aquilo sim é agroecologia crioula, cabocla, nativa, negra. A da Bayer, não. A briga não mudou de plano. O plano é o mesmo. A Bayer é uma empresa que fabrica o mesmo produto, o que mudou foi a matriz.

A luta tem de ser travada em qual plano?

Qual é o futuro?

O futuro tem uma matriz tecnológica: a biotecnologia. Se você não souber biotecnologia, cai fora. Sai da reta porque eles vão passar por cima. É preciso dominar a biotecnologia quilombola, crioula. Se eles vão criar um mercado para daqui 25 anos, eu não estou preocupado com eles. Eu estou preparando esse mercado para dentro de três anos. Os orgânicos do Rio Grande do Sul são um dos melhores do mundo e não são elitizados. É isso que nós temos que fazer, senão eu danço a música que o outro toca.


Há um interesse das transnacionais nos produtos orgânicos?

A Inglaterra é campeã em te manipular e te induzir. Ela é a contra-inteligência hoje. Não pense que a Bayer, com um orçamento que é quatro vezes o do Brasil, e não tem 200 milhões de habitantes, não protege a sua marca, o seu nome. Em 1986, eu estava no IFOAM, a FederaçãoInternacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica, e o José Lutzenbergerfoi falar pela América Latina, e eu, pelo Brasil. A preocupação era o caso dos agrotóxicos no Brasil. Na hora do cafezinho, me disseram que tinha um cara com um crachá da Bayer no peito. Eu fui conferir. Chego lá, são quatro pessoas de gravata e terno preto. Eu olhei pra eles e falei em alemão: "Perdoem a minha indiscrição, eu teria uma pergunta para fazer para os senhores: esse aqui é o quinto congresso mundial de agricultura orgânica, o que a vossa empresa faz aqui?”. Sabe o que o cara me disse: "Saiba você que esse será o nosso maior departamento para dentro de 20 anos”. Ou seja, a Bayer já projetava como ia ganhar dinheiro no futuro.

Qual seria a participação deles nesse novo mercado?

Às vezes você nem vê. Eles estão aqui porque agora eles não são a linha de frente da ANDEF [Associação Nacional dos Defensivos Agrícolas, hoje, Associação Nacional de Defesa Vegetal], quando subornavam os funcionários burocratas do Ministério da Agricultura e quando corrompiam. Eu já presenciei várias vezes, em plena ditadura, aqui no Rio Grande do Sul, eles pegarem centenas de cruzeiros e colocarem na mão do jornalista para que ele fizesse uma matéria favorável a eles. Hoje eles estão na FIESP [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo].

Qual é o papel específico das empresas nessa nova economia?

Você acredita ainda que existe o Estado-Nacional? Nem nos Estados Unidos existe. O que existe hoje é um colegiado de grandes empresas. Se quiser rir um pouco: Jorge Gerdau Johannpeter faz parte do governo Tarso Genro. E o pior é que o Tarso não sabe. E nós não nos damos conta disso. Hoje o jogo é esse. Não há Estado-Nacional. Quem manda é um colegiado de empresas. A palavra máxima de Adolf Hitler era a eugenia. Se você come cesta básica, eu não preciso te tirar o direito de voto, ele cai por si só. Se você comer orgânico, você é ascendido. Que tipo de sociedade é essa onde o pobre é obrigado a comer merda e o rico pode pagar mais caro por um alimento orgânico? Ela é democrática, fraterna? Não. É uma sociedade fascista. E não tem futuro.

Qual a responsabilidade que as indústrias têm sobre os agrotóxicos?

Quando uma indústria cria um agrotóxico, a primeira preocupação dela é procurar um governo que o registre. Porque a indústria só tem responsabilidade por 99 anos. A responsabilidade de um governo é eterna. Quem registra é o governo. Ele assume o interesse da indústria e executa o que a indústria quer. Por isso que, nos Estados Unidos, quando a indústria quer registrar algo, o Tio Sam diz: "eu registro, mas quero um depósito de 250 milhões de dólares para garantia de que não há o falseamento de nenhum dos dados e se houver algum problema eu não distribuo na costa do povo americano”. Recentemente, deu uma confusão com uma merendeira de uma escola com relação a um veneno de rato colocado na comida. Eles não estão discutindo uma questão mais importante. A empresa do veneno, chamada Nitrosin, faliu há 30 anos. Eu só observo e penso quem é quem e por quê. Tudo, hoje, é jogo de inteligência. A coisa funciona assim: o décimo quarto assessor da OMC, não é o primeiro, é o décimo quarto, liga para o presidente e fala "senhor presidente, aquele crédito que o senhor precisa para habitação, saúde, infra-estrutura está pronto para ser liberado, estou com a caneta na mão, só precisamos de uma coisa: transgênicos, agrotóxicos...”.É assim que funciona. Se eles quiserem, ainda, telefonam pra Globo, SBT, Bandeirantes.

Quais os países que registram os agrotóxicos?

Hoje, é Brasil. Brasil e China. Há algum episódio marcante em função do uso dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul?

Um dia eu estava na UFRGS e chega uma menina e diz que é de Santa Cruz do Sul. Ela fala que vários pais dos amigos dela de Venâncio Aires estavam se suicidando. Eu perguntei se eram produtores de fumo, ela confirmou. Como ela era advogada, eu sugeri que ela pegasse os prontuários das ocorrências. Indiquei que pegasse os dos últimos dez anos. Na Argentina, onde eu estudei, um professor uma vez me disse que no momento em que os inseticidas fosforados foram introduzidos na fumicultura, os suicídios cresceram em nove mil por cento. Depois de um tempo, eu comecei a montar os perfis dos prontuários que ela trouxe. Começamos a trabalhar eu, ela e mais dois: um médico com especialização em mortalidade e um especialista em fosforados. Num certo momento, eu falei para ela que não estava gostando do que estávamos fazendo. Nós estávamos trabalhando conforme a ciência acadêmica brasileira e eu não sou isso, nunca fui e nem quero ser. Eu disse que nós tínhamos que ter uma atitude. E uma atitude não era pesquisar a desgraça alheia. A atitude teria que ser parar com aquela merda. Ela me perguntou o que poderíamos fazer. Eu disse que deveríamos ir à comissão de Direitos Humanos e falar com um deputado bastante interessante, que depois não se elegeu mais, o nome dele era Marcos Rolim. Ele olhou e propôs que fizéssemos uma audiência pública, que era o que nós queríamos. Nós tínhamos encontrando que, no Rio Grande do Sul, havia o dobro de suicídios em comparação com o Brasil, e Venâncio Aires tinha quatro vezes o número do Rio Grande do Sul. Isso é um dado que assusta. Os resultados causaram uma comoção mundial. Se você procurar na agência espanhola, Reuters, AP, AFP, a agência alemã, todo mundo repercutiu a denúncia de Venâncio Aires. No mundo, o suicídio mais comum é na faixa etária entre 17 e 18 anos ou entre 60 e 70. Em Venâncio Aires, era entre 30 e 35.

Como essas indústrias estão interferindo na forma de pensar a agricultura?

Você sabe quem está fazendo a "Revolução Verde” na África, sem agrotóxico? Kofi Annan, Bill& Melinda Gates, Fundação Rockfeller, EMBRAPA. Todos estão lá e você pensa "o que tem a EMBRAPA a ver com a África?”. Os maiores centros financeiros do mundo estão na África e nós não estamos nem nos dando conta disso, nem sabemos o que significa. O nosso problema, hoje, é que nós não nos adaptamos à OMC e à economia globalizada. Um dado impressionante é que a Nestlé está fazendo contratos de agroecologia com agricultores nordestinos, aqui no Brasil. Orgânicos para a Nestlé! A lei brasileira de orgânicos não tem nada a ver com agricultores, ela se chama 10831/03. Hoje, na Etiópia, existem 40 milhões de pessoas passando fome. Sabe qual é a proposta da Nestlé e da PEPSICO? Barrinhas de cereais. Uma barra de cereal tem um custo de 0,01 centavo de dólar. Ela deve ser vendida a 3 dólares para as Nações Unidas. Dá margem de lucro ou não dá? Hoje, para produzir orgânicos, você precisa pagar um certificado de orgânico que pode custar até 25 mil dólares. A lei te obriga a fazer uma certificação de alimento orgânico pela ECOCERT, por exemplo.

Curso virtual Bíblia e Hermenêuticas Juvenis - ÚLTIMOS DIAS PARA AS INSCRIÇÕES


Encontram-se abertas até o dia 31 de janeiro as inscrições para o Curso Virtual Bíblia e Hermenêuticas Juvenis. As inscrições podem ser feitas diretamente no site www.cebivirtual.com.br. O número de vagas é limitado. Sobre o Curso O curso é direcionado, preferencialmente, a jovens entre 15 e 29 anos que se interessem em refletir sua realidade à luz da Palavra de Deus e será desenvolvido na modalidade de Educação á Distância (EAD).

Com o objetivo de promover a leitura popular da Bíblia com os/as jovens na modalidade de Educação à Distância Virtual, bem como oferecer elementos para que os/as jovens atualizem essa leitura desde sua própria perspectiva,

O projeto iniciará em março de 2012 e se estenderá até dezembro. Os/as cursistas formarão pequenas turmas acompanhadas por facilitadores.

O conteúdo está organizado em cinco módulos. Será realizado um estudo sobre os Evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João, através da leitura popular da Bíblia, tendo como porta de entrada, ou chave de leitura temáticas que fazem parte das realidades juvenis hoje:

Evangelho de Marcos - Saúde e Violência
Evangelho de Mateus - Conflito de Gerações e Raciais
Evangelho de Lucas - Solidariedade e Meio Ambiente
Evangelho de João - Intolerância e Fundamentalismos Religiosos

Custos e forma de pagamento:
Boleto [desconto 6,6%] [1x R$ 150,00] - R$ 150,00
À vista no cartão [1xR$ 160,00] - R$ 160,00
Parcelado no boleto [com juros] (5x R$ 33,00) - R$165,00
Parcelado no Cartão [3x 57,00] - R$171,00

Mais informações: cebi@cebivirtual.com.br

Nos Evangelhos não se aprende doutrina mas sim uma forma de estar no mundo - José Pagola


por IHU - Instituto Humanitas Unisinos "

É preciso descobrir o caminho aberto por Jesus e ser seus seguidores". A afirmação é de José Antonio Pagola, teólogo e ex-vigário geral da diocese de San Sebastián, na Espanha, que apresentou nesta quarta-feira, 25 de janeiro, em Donostia, seu livro El camino abierto por Jesús: Marcos (Ed. Desclée de Brouwer). Ele nota isso em sua própria carne e na forma de polêmica. Apesar dos inúmeros obstáculos por parte da hierarquia eclesiástica, sua obra Jesus.

Aproximação histórica (Ed. Vozes) tornou-se um best-seller que está sendo publicado nestes dias em croata, francês e russo. "Os números de vendas não me interessam", diz. A reportagem é de Cristina Turrau, publicada no sítio Diario Vasco, 26-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

A relação do senhor com as livrarias e com os leitores está se tornando uma relação de amor.

Este livro que se apresenta hoje é a segunda parte de um projeto editorial que tem por título geral O caminho aberto por Jesus e será composto por quatro pequenos volumes. Cada um deles é dedicada a um dos evangelistas. Há um ano, foi publicado o livro de Mateus. Antes do Natal, apareceu o de Marcos. Para a Semana Santa, será publicado o de Lucas. E no outono [europeu] sairá o de João, além de um box com os quatro livros.

Seu projeto é ambicioso...

Estes livros nascem por causa do meu desejo de aproximar os homens e as mulheres de hoje ao caminho aberto por Jesus. E essa ideia do caminho tem muito importância.

A saber...

Os primeiros seguidores de Jesus não se sentiam membros de uma nova religião. Eles não se sentiam membros de uma instituição, mas sim homens e mulheres que descobriram um novo caminho para viver. Na Carta aos Hebreus, um escrito que circula em torno do ano 60 e que foi recolhido no Novo Testamento, fala-se de um caminho novo e vivo, inaugurado por Jesus, que é preciso percorrer com os olhos fixos nele.

É o que o senhor vem propondo.

Eu vejo a necessidade de que, na Igreja, se dê uma transformação para os homens e as mulheres de hoje. Não basta se sentir adepto de uma religião chamada de cristã, mas é preciso descobrir o caminho aberto por Jesus e ser seus seguidores. Hoje, muitos de nós vivem dentro da Igreja e se sentem cristãos sem ter tomado a decisão de ser discípulos. Fazemos o percurso sem sermos guiados pelas suas atitudes fundamentais e pelo estilo de vida. Jesus pode ser hoje uma figura humanizadora, que ensina a viver tanto as pessoas que se sentem cristãs como aquelas que não se sentem assim. E isso ocorre em um momento de crise, não só religiosa. Vivemos uma "omnicrise", e parece que não estamos acertando em alguma coisa.

Embora tenha havido problemas, não faltarão editores para os seus livros...

Este segundo livro foi publicado pela Desclée de Brower devido a alguns problemas, mas a coleção sairá pela PPC. Desde que deixei a responsabilidade como vigário geral da diocese, fiz todo um projeto.

Sim?

A primeira coisa que fiz foi dedicar oito ou nove anos para pesquisar melhor a figura de Jesus. Na realidade, esse foi o tema de toda a minha vida. Em Jesus. Aproximação histórica, comuniquei e ofereci o que hoje pode se dizer de maneira razoável e confiável sobre a trajetória humana e histórica de Jesus.

Chegaram mais livros.

Com o meu segundo projeto, tento apresentar de maneira simples e com uma linguagem acessível e próxima, mas que "toque" as pessoas, o estilo de vida de Jesus. Quando nos aproximamos dos Evangelhos, não aprendemos doutrina; descobrimos uma maneira de habitar o mundo e de interpretar a vida e a história de grande força humanizadora.

A mensagem de Jesus é de plena atualidade, o senhor defende.

Eu me dou conta de que as pessoas, nesta sociedade que parece superficial, sentem a necessidade de viver de uma maneira diferente, sem saber exatamente como. Buscamos uma vida mais digna, saudável e feliz, algo que não é fácil. E o que eu tento demonstrar é que Jesus oferece um horizonte mais humano e uma esperança. Assim perceberam os primeiros cristãos.

Com seus livros, o senhor busca ser um mediador?


Trabalho com grupos distintos, falo com as pessoas e observo que não se busca mais técnica, nem mais ciência, nem mais doutrina religiosa. Buscamos algo, mas não sabemos como formular essas questões que levamos dentro.

Quais são as diferenças entre os quatro Evangelhos?

Os Evangelhos são quatro pequenos escritos. O primeiro é o de Marcos, que aparece em torno do ano 70, provavelmente depois da destruição de Jerusalém. Depois vêm os de Mateus e de Lucas, entre os anos 70 a 90. E, por último, já passado o ano 100, aparece o de João. Mas podemos dizer que os autores não são apóstolos. A elaboração dos textos é muito complexa. Eu analiso a vida de Jesus a partir de quatro relatos que nasceram da sua recordação. E cada um deles tem sua própria maneira de ressaltar, sublinhar e ordenar essas recordações.

Dê-nos uma pincelada de especialista: Marcos.

É o Evangelho mais breve. Pode ser lido em uma hora. Ocupou um lugar muito discreto ao longo da história. E, no entanto, há um interesse crescente nele, porque nos oferece a figura de Jesus com mais frescor. Ele remonta a tradições antigas, e Mateus e Lucas o utilizaram para os seus evangelhos.

Mateus.

É o evangelho mais longo e, em boa parte, segue Marcos, mas acima de tudo se caracteriza por seus grandes discursos. É o do Sermão da Montanha, das Bem-aventuranças ou das parábolas de Jesus, inesquecíveis. É o mais rabínico, provavelmente obra de um judeu que se tornou cristão.

Lucas.

Eu o recomendo para quem queira ler um evangelho inteiro e de uma vez só para ter uma ideia de como Jesus foi lembrado. Tem o evangelho da infância, muito poético. E é onde se destaca a bondade de Deus, sua compaixão e misericórdia, por exemplo, na parábola do filho pródigo.

João.

É um evangelho mais complexo, com uma cristologia muito elaborada. É mais teológico do que os demais.

Por que o lado humano de Jesus assusta?

Jesus atrai, mas é perigoso, porque é muito radical. Se você se aprofundar na ideia de que os últimos serão os primeiros, ou que você não pode servir a Deus e ao dinheiro, a vida muda. Jesus é muito sedutor, mas arriscado. Como disse algum agnóstico, é difícil dizer que ele não tem razão.

Como o senhor analisa os vetos à sua obra por parte da hierarquia?

Vão unidos à mensagem. Isso aconteceu com ele e acontece com os seus seguidores. Não é possível falar de Jesus com certa força e frescor e ficar impune

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O novo, o que será: 2012 - Selvino Heck, Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República, Adital


Escreveu Delfim Netto estes dias (olha eu, quem diria, citando Delfim Netto, que abominávamos nos anos setenta por todas as razões do mundo): "Como disse Santo Tomás de Aquino, ‘os homens não podem conhecer o futuro... a não ser por revelação divina'. Parece pouco provável que Deus escolha um economista para fazê-lo!”. Como não sou economista, muito menos profeta, arrisco alguns comentários sobre 2012. Mais para partilhar sentimentos e impressões, anunciar desejos, menos para dizer verdades ou proclamar certezas. 2012 tende a ser, por todos os títulos, um ano interessante. 2011 forneceu elementos para esta perspectiva. Os jovens e trabalhadores estiveram na rua em todos os cantos do mundo e deverão continuar. Não há razão previsível para que assim não seja. A crise econômica deverá aprofundar-se na Europa e nos países ricos. Ruim, muito ruim para os trabalhadores, para aqueles que dependem de salário e emprego. Não tão ruim ou nada ruim para a banca, que mantém seus lucros à base do arrocho do povo e dos prepostos que colocou no poder nos países mais encalacrados na crise, como Grécia e Itália, e pelo voto na Espanha. O lado bom, se é que pode haver ou se pode esperar lado bom, é que crise é oportunidade, segundo sempre dizem. Por ora, a oportunidade está sendo aproveitada e usufruída pelo mercado financeiro, mesmo com os protestos do povo na rua. Cresce, no entanto, a consciência de que desenvolvimento não é apenas crescimento econômico; que o consumismo das últimas décadas é incompatível com qualidade de vida e com respeito ao meio ambiente; que outros valores devem dominar as relações econômicas e sociais que não apenas o lucro e o enriquecimento; que o neoliberalismo e seus ajustes fiscais beneficiam apenas alguns e deixam de fora do banquete a grande maioria; que a política deve ser assumida por todos na democracia não apenas do voto, mas também nas ruas, nas praças e na mobilização social; que sonhos e utopias de igualdade, fraternidade, solidariedade ainda têm sentido; que o mundo não pode e não deve ter apenas um único pensamento e ser unipolar, mas multipolar e multilateral, onde os do Sul têm vez e voz. 2012 pode ser isso ou caminhar neste rumo. A América do Sul deverá aprofundar seu caminho de mudanças, sua estrada alternativa em 2012. Não sem tensões, não sem dúvidas, não sem impasses. Não há um único trilho. A Bolívia não é o Equador, que não é a Venezuela, que não é a Argentina, que não é o Peru, que não é o Paraguai, que não é o Uruguai, que muito menos é o Brasil. Mas a urgente e necessária integração latino-americana poderá se aprofundar, no esforço de construir um projeto de desenvolvimento com distribuição de renda e espaço para todos e todas, reconhecimento de indígenas, quilombolas, catadores e recicladores, mulheres, jovens e trabalhadores como fundantes de um projeto de mudança, onde os laços culturais se aproximam, assim como a vontade e a determinação de buscar ‘um outro mundo possível'. Aliás, 2012 começa com o Fórum Social Mundial Temático em janeiro em Porto Alegre, na preparação da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável Rio + 20, em junho, no Rio de Janeiro. Será um momento sem igual para pensar o futuro, mobilizar governos e sociedade. O governo Dilma, em especial através da Secretaria Geral da Presidência da República, vai ampliar o debate e a relação com a sociedade, os movimentos sociais, igrejas e pastorais, ONGs e organizações populares. Não será sempre um diálogo fácil e sem tensões. Mas será transparente, olho no olho. O Brasil já está e estará cada vez mais no centro dos debates mundiais e da esperança. O ‘gigante adormecido' está acordando do sono que as elites lhe impuseram por séculos. Há um (re)despertar de movimentos sociais, de organizações de base, de pensamentos e idéias, da educação popular libertadora, ainda longe do necessário, porém mais próximo e à frente do torpor das últimas décadas. É o desafio de propor o novo, de juntar as experiências da economia solidária, da educação popular, das mobilizações de massa, das ocupações, das greves, das lutas contra a fome e a miséria e, criativamente, a partir de baixo, construir um projeto de desenvolvimento com inclusão social, distribuição de renda, participação social e popular, "tendo como utopia a construção de sociedades sustentáveis por meio da ética do cuidar e de proteger a bio e a sócio-biodiversidade” (Carta Aberta de educadores e educadoras por um mundo justo e feliz – http://www.tratadodeeducacaoambiental.net/). 2012 pode ser tudo isso e mais um pouco. Como diria o cantor ou o poeta, depende de nós.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Cada um de nós tem uma missão - Marcos 1,14-20


Autores: Carlos Mesters e Mercedes Lopes

Jesus anuncia a Boa Nova de Deus e chama pessoas para segui-lo (Marcos 1,14-20)



1. SITUANDO

A Boa Nova de Deus foi preparada ao longo da história (Mc 1,1-8), foi proclamada solenemente pelo pai na hora do batismo de Jesus (Mc 1,9-11), foi testada e aprovada no deserto (Mc 1,12-13). Agora aparece o resultado da longa preparação: Jesus anuncia a Boa Nova publicamente ao povo (Mc 1,14-15) e convoca outras pessoas a participar do anúncio (Mc 1,16-20). Nos anos 70, época em que Marcos escreveu, os cristãos, lendo essa descrição do início da Boa Nova, olhavam no espelho e viam retratado nele o início da sua própria comunidade. Aquela fonte que brotou na vida daqueles quatro primeiros discípulos podia, a qualquer momento, brotar também na vida deles.

2. COMENTANDO

1. Marcos 1,14: Jesus inicia o anúncio da Boa Nova de Deus

Marcos dá a entender que, enquanto Jesus se preparava no deserto, João Batista tinha sido preso pelo rei Herodes. Diz o texto: Depois que João foi presto, Jesus voltou para a Galiléia proclamando a Boa Nova de Deus. A prisão de João Batista não assustou a Jesus! Pelo contrário! Ele viu nela um sinal da chegada do Reino. Hoje, os fatos da política e da polícia também influem no anúncio que nós fazemos da Boa Nova ao povo. Marcos diz que Jesus proclamava a Boa Nova de Deus. Pois Deus é a maior Boa Notícia para a vida humana. Ele responde à aspiração mais profunda do nosso coração.

2. Marcos 1,15: O resumo da Boa Notícia de Deus

O anúncio da Boa Nova de Deus tem quatro pontos: (1) Esgotou-se o prazo! (2) O Reino de Deus chegou! (3) Mudem de vida! (4) Acreditem nesta Boa Notícia! (Mc 1,14-15). Estes quatro pontos são um resumo de toda a pregação de Jesus. Cada um deles tem um significado importante:

1) Esgotou-se o prazo! Para os outros judeus, o prazo ainda não tinha se esgotado. Faltava muito para o Reino chegar. Para os fariseus, por exemplo, o Reino só chegaria quando a observância da Lei fosse perfeita. Para os essênios, quando o país fosse purificado ou quando eles tivessem o domínio sobre o país. Jesus pensa de modo diferente. Ele tem outra maneira de ler os fatos. Diz que o prazo já se esgotou.

2) O Reino de Deus chegou! Para os fariseus e os essênios, a chegada do Reino dependia do esforço deles. Só chegaria depois que eles tivessem realizado a sua parte, a saber, observar toda a lei, purificar todo o país. Jesus diz o contrário: "O Reino chegou!" Já estava aí! Independentemente do esforço feito! Quando Jesus diz "O Reino chegou!", ele não quer dizer que o Reino estava chegando só naquele momento, mas sim que já estava aí. Aquilo que todos esperavam já estava presente no meio do povo, e eles não o sabiam nem o percebiam (cf. Lc 17,21). Jesus o percebeu! Pois ele lia a realidade com um olhar diferente. E é esta presença escondida do Reino no meio do povo que Jesus vai revelar e anunciar aos pobres da sua terra. É esta a semente do Reino que vai receber a chuva da sua palavra e o calor do seu amor.

3) Mudem de Vida! Alguns traduzem "Fazei Penitência". Outros, "Convertei-vos ou Arrependei-vos". O sentido exato é mudar o modo de pensar e de viver. Para poder perceber essa presença do Reino, a pessoa terá que começar a pensar, a viver e a agir de maneira diferente. Terá que mudar de vida e encontrar outra forma de convivência! Terá que deixar de lado o legalismo do ensino dos fariseus e permitir que a nova experiência de Deus invada sua vida e lhe dê olhos novos para ler e entender os fatos.

4) Acreditem nesta Boa Notícia! Não era fácil aceitar a mensagem. Não é fácil você começar a pensar de forma diferente de tudo que aprendeu, desde pequeno. Isto só é possível através de um ato de fé. Quando alguém vem trazer uma notícia diferente, difícil de ser aceita, você só aceita se a pessoa que traz a notícia for de confiança. Aí, você dirá aos outros: "Pode aceitar! Eu conheço a pessoa! Ela não engana, não. É de confiança. Fala a verdade!" Jesus é de confiança!

3. Marcos 1,16-20: O primeiro objetivo do anúncio da Boa Nova é formar comunidade

Jesus passa, olha e chama. Os quatro escutam, largam tudo e seguem a Jesus. Parece amor à primeira vista! Conforme a narração de Marcos, tudo isto aconteceu logo no primeiro encontro com Jesus. Comparando com os outros evangelhos, a gente percebe que os quatro já conheciam a Jesus (Jo 1,39; Lc 5,1-11). Já tiveram a oportunidade de conviver com ele, de vê-lo ajudar o povo ou de escutá-lo na sinagoga. Sabiam como ele vivia e o que pensava. O chamado não foi coisa de um só momento, mas sim de repetidos chamados e convites, de avanços e recuos. O chamado começa e recomeça sempre de novo! Na prática, coincide com a convivência dos três anos com Jesus, desde o batismo até o momento em que Jesus foi levado ao céu (At 1,21-22). Então, por que Marcos o apresenta como amor à primeira vista? Marcos pensa no ideal: o encontro com Jesus deve provocar um mudança radical na vida da gente!

3. ALARGANDO


O chamado para seguir Jesus O chamado é de graça. Não custa.

Mas acolher o chamado exige compromisso. É o momento de entrar na nova família de Jesus, na comunidade (Mc 3,31-35). Jesus não esconde as exigências. Quem quer segui-lo deve saber o que está fazendo: deve mudar de vida e crer na boa Nova (Mc 1,15), deve estar disposto ou disposta a abandonar tudo. Do contrário, "não pode ser meu discípulo" (Lc 14,33). O peso não cai na renúncia, mas sim no amor que dá sentido à renúncia. É por amor a Jesus (Lc 9,24) e ao Evangelho (Mc 8,35) que o discípulo ou a discípula deve renunciar a si mesmo, carregar sua cruz, todos os dias, e segui-lo (Mc 8,34-35; Mt 10,37-39; 16,24-26; 19,27-29).

Os discípulos são o xodó de Jesus. No Evangelho de Marcos, a primeira coisa que Jesus faz é chamar discípulos (Mc 1,16-20), e a última que faz é chamar discípulos (Mc 16,7.15). Jesus passa e chama. Eles largam tudo e seguem a Jesus. Parece que não lhes custa nada. Largam a família. Largam os barcos e as redes (Mc 1,16-20). Levi largou a coletoria, fonte da sua riqueza (Mc 2,13-14).

Seguir Jesus supõe ruptura! Eles começam a formar um grupo, uma comunidade itinerante. É a comunidade de Jesus (Mc 3,13-14.34). Os discípulos acompanham Jesus por todo canto. Entram com ele na sinagoga (Mc 1,21) e nas casas até dos pecadores (Mc 2,15). Passeiam com ele pelos campos, arrancando espigas (Mc 2,23). Andam com ele ao longo do mar, onde o povo os procura (Mc 3,7). Ficam a sós com ele e podem interrogá-lo (Mc 4,10.34). Vão à casa dele, convivem com ele e vão com ele até Nazaré, a terra dele (Mc 6,1). Com ele atravessam o mar e vão para o outro lado (Mc 5,1). Participam da dureza da nova caminhada. Tanta gente os procura, que já não têm tempo para comer (Mc 3,20).

Eles começam a sentir-se responsáveis pelo bem-estar de Jesus: ficam perto dele, cuidam dele e mantêm um barco pronto para ele não se esmagado pelo povo que avança (Mc 3,9; cf. 5,31). E no fim de um dia de trabalho levam a ele, exausto, para o outro lado do lago (Mc 4,36). A convivência se torna íntima e familiar. Jesus chega a dar apelidos a alguns deles. A João e Tiago chamou de Filhos do Trovão, e a Simão deu o apelido de Pedra ou Pedro (Mc 3,16-17). Ele vai a casa deles e se preocupa com os problemas da família deles. Curou a sogra de Pedro (Mc 1,29-31).

Andando com Jesus, eles seguem a nova linha e começam a perceber o que serve para a vida e o que não serve. A atitude livre e libertadora de Jesus faz com que criem coragem para transgredir normas religiosas que pouco ou nada têm a ver com a vida: arrancam espigas em dia de sábado (Mc 2,23-24), entram em casa de pecadores (Mc 2,15), comem sem lavar as mãos (Mc 7,2) e já não insistem em fazer jejum (Mc 2,18). Por isso, são envolvidos nas tensões e brigas de Jesus com as autoridades e são criticados e condenados pelos fariseus (Mc 2,16.18.24). Mas Jesus os defende (Mc 2,19.25-27; 7,6-13). Distanciam-se das posições anteriores. O próprio Jesus os distingue dos outros e diz claramente: "A vocês é dado o ministério do Reino, mas aos de fora tudo acontece em parábolas" (Mc 4,11), pois "os de fora" têm olhos mas não enxergam, têm ouvidos e não escutam (Mc 4,12). Jesus considera os discípulos e as discípulas como seus irmãos e suas irmãs. É a sua nova família (Mc 3,33-34).

Eles recebem formação. As parábolas narradas ao povo, Jesus as explica a eles quando estão sozinhos em casa (Mc 4,10s.34). Na raiz desse grande entusiasmo está a pessoa de Jesus que chama. Está a Boa Nova do Reino que atrai! Eles seguem Jesus. Ainda não percebem todo o alcance que o contato com Jesus implica para a vida deles. Isto, por enquanto, nem importa! O que importa é poder seguir Jesus que anuncia a tão esperada Boa Nova do Reino. Até que enfim, o Reino chegou (Mc 1,15)! Resumindo: Seguir Jesus era uma expressão que os primeiros cristãos usavam para indicar o relacionamento deles com Jesus e entre eles mesmos na comunidade. Significava três coisas:

1) Imitar o exemplo do Mestre: Jesus era modelo a ser imitado. A convivência diária com Jesus na comunidade permitia um confronto constante. Nesta "Escola de Jesus" só se ensinava uma única matéria: o Reino! E o Reino se reconhecia na vida e na prática de Jesus.

2) Participar do destino do Mestre: Quem seguia Jesus devia comprometer-se com ele e "estar com ele nas tentações" (Lc 22,28), inclusive na perseguição (Jo 15,20; Mt 10,24-25). Devia estar disposto até a morrer com ele (Jo 11,16).

3) Ter a vida de Jesus dentro de si: Depois da Páscoa, acrescentou-se uma terceira dimensão: identificar-se com Jesus ressuscitado, vivo na comunidade. "Vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20). Participar da sua morte e ressurreição (Filipenses 3,8-11).