OLHAR NO ESPELHO DA VIDA
O texto que vamos refletir descreve o encontro de Jesus com a mulher que ia ser apedrejada. Durante a leitura, somos
convidados a prestar atenção nas atitudes dos fariseus, da mulher e de
Jesus.
SITUANDO
O Evangelho de João não foi escrito de uma só vez,
mas cresceu lentamente. Ao longo dos anos, os cristãos iam lembrando e
acrescentando outros episódios da vida de Jesus. Um destes acréscimos é o
episódio da mulher que ia ser apedrejada (Jo 8,1-11). Pouco antes,
Jesus tinha declarado: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba!" (Jo
7,37). Esta declaração provocou muita discussão (Jo 7,40-53). Pulando
para nosso texto de hoje (Jo 8,1-11), encontramos uma nova declaração de
Jesus: "Eu sou a luz do mundo!" (Jo 8,12), que provoca nova discussão
com os judeus. Entre estas duas declarações com suas discussões, foi
inserido o episódio da mulher para esclarecer como Jesus é a luz do
mundo, como ele ilumina a vida das pessoas.
1. João 8,1-2: Jesus e o povo
Depois da discussão, descrita no fim do capítulo 7
(Jo 7,37-52), cada um voltou para casa (Jo 7,53). Jesus não tinha casa
em Jerusalém. Por isso, foi para o Monte das Oliveiras. Lá havia um
horto, onde ele costumava passar a noite em oração (Jo 18,1). No dia
seguinte, antes do nascer do sol, Jesus já estava novamente no templo. O
povo também veio bem cedo para poder escutá-lo. Eles sentavam no chão
ao redor de Jesus e ele os ensinava. O que será que Jesus ensinava? Deve
ter sido bonito, pois vinha antes do nascer do sol para poder
escutá-lo!
2. João 8,3-6a: Os escribas armam a cilada
De repente, chegam os escribas e os fariseus,
trazendo consigo uma mulher pega em flagrante de adultério. Eles a
colocam no meio da roda entre Jesus e o povo. Conforme a lei, esta
mulher deveria ser apedrejada (Lv 20,10; Dt 22,22.24). Eles perguntam:
"E qual é a sua opinião?" Era uma cilada. Se Jesus dissesse: "Apliquem a
lei", eles diriam: "Ele não é tão bom como parece, porque mandou matar a
pobre da mulher". Se dissesse: "Não matem", diriam: "Ele não é tão bom
quanto parece, porque nem sequer observa a lei!" Sob a aparência de
fidelidade a Deus, manipulam a lei e usam a pessoa da mulher para poder
acusar Jesus.
3. João 8,6b-8: Reação de Jesus: escreve no chão
Parecia um beco sem saída. Mas Jesus não se apavora
nem fica nervoso. Pelo contrário. Calmamente, como quem é dono da
situação, ele se inclina e começa a escrever no chão com o dedo. Quem
fica nervoso são os adversários. Eles insistem para que Jesus dê a sua
opinião. Então, Jesus se levanta e diz: "Quem for sem pecado seja o
primeiro a jogar a pedra!" E, inclinando-se, tornou a escrever no chão.
Jesus não discute a lei. Apenas muda o alvo do julgamento. Em vez de
permitir que eles coloquem a luz da lei em cima da mulher para poder
condená-la, pede que eles se examinem a si mesmos à luz do que a lei
exige deles.
4. João 8,9-11: Jesus e a mulher
A resposta de Jesus derruba os adversários. Os
fariseus e os escribas se retiram envergonhados, um depois do outro, a
começar pelos mais velhos. Aconteceu o contrário do que eles queriam. A
pessoa condenada pela lei não era a mulher, mas eles mesmos, que
pensavam ser fiéis à lei. No fim, Jesus fica sozinho com a mulher no
meio da roda. Ele se levanta e olha para ela: "Mulher, onde estão eles?
Ninguém te condenou!" Ela responde: "Ninguém, Senhor!" E Jesus: "Nem eu
te condeno! Vai, e de agora em diante não peques mais!" Jesus não
permite que alguém use a lei de Deus para condenar o irmão ou a irmã,
quando ele mesmo ou ela mesma é pecador ou pecadora. Este episódio,
melhor do que qualquer outro ensinamento, revela que Jesus é a luz que
faz aparecer a verdade. Ele faz aparecer o que existe escondido dentro
das pessoas, no mais íntimo delas. À luz da sua palavra, os que pareciam
os defensores da lei se revelam cheios de pecado e eles mesmos o
reconhecem, pois vão embora, a começar pelos mais velhos. E a mulher,
considerada culpada e merecedora da pena de morte, está de pé diante de
Jesus, absolvida, redimida e dignificada (cf Jo 3,19-21).
ALARGANDO
As Leis a respeito da mulher no Antigo Testamento e a reação do povo
Desde Esdras e Neemias, a tendência oficial era de
excluir a mulher de toda a atividade pública e de considerá-la inapta
para qualquer função na sociedade, a não ser para a função de esposa e
mãe. O que mais contribuiu para a sua marginalização foi a lei da
pureza. A mulher era declarada impura por ser mãe, por ser esposa, por
ser filha, por ser mulher. Por ser mãe: dando à luz, ela se torna
impura. Por ser filha: o filho que nasce traz 40 dias de impureza; mas a
filha, 80 dias! (cf. Levítico 12) Por ser esposa: a relação sexual a
torna impura durante um dia (Levítico 15,18). A mulher menstruada ficava
sete dias impura. E quem a tocasse também se tornava impuro por
contágio (Levítico 15,19-23). E não havia meio para uma mulher manter
sua impureza em segredo, pois a lei obrigava as outras pessoas a
denunciá-la. Esta legislação tornava insuportável a convivência diária
em casa. Durante sete dias em cada mês, a mãe de família não podia
deitar na cama, nem sentar-se numa cadeira, nem tocar nos filhos ou no
marido, se não quisesse contaminá-los! Esta legislação é fruto de uma
mentalidade segundo a qual a mulher era inferior ao homem. Alguns
provérbios revelam essa discriminação da mulher. A marginalização chegou
ao ponto de se considerar a mulher como a origem do pecado e da morte e
a causa de todos os males (Eclesiástico 25,24).
Desta maneira se justificavam e se mantinham o
privilégio e a dominação do homem sobre a mulher. Por exemplo, se um
homem depois de algum tempo de casado, não gostasse mais da sua mulher,
podia livrar-se dela dizendo que ela já não era virgem quando se
casaram. Se os pais da mulher não conseguissem provar o contrário, ela
seria apedrejada (Deuteronômio 22,13ss). A lei em relação ao divórcio é
outro exemplo do privilégio do homem, pois somente ele tinha o direito
de pedir o divórcio, mandando a mulher embora se já não a quisesse
(Deuteronômio 24,1-4). A lei previa a morte do casal adúltero, mas na
prática somente a mulher era julgada e condenada por adultério.
Dentro do contexto da época, a situação da mulher do
povo da Bíblia não era pior nem melhor do que nos outros povos. Era a
cultura geral. Até hoje, em muitos povos continua essa mesma
mentalidade. Mas como hoje, assim também antigamente, desde o começo da
história do povo da Bíblia sempre houve reações contrárias à exclusão da
mulher, sobretudo depois do exílio, quando a lei marginalizava a mulher
como impura e expulsava a estrangeira como perigosa. A resistência da
mulher cresceu no mesmo período em que a sua marginalização era mais
pesada. Vários livros sapienciais registram essa voz da oposição:
Cântico dos Cânticos, Rute, Judite, Ester. Nestes livros, a mulher
aparece não como mãe nem como esposa, mas como mulher que sabe usar sua
beleza e feminilidade para lutar pelos direitos dos pobres e assim
defender a Aliança do povo. E ela luta não a favor do templo nem a favor
de leis abstratas, mas sim a favor da vida do povo.
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