Este relato é uma leitura pós-pascal e pretende
narrar antecipadamente a vitória de Jesus sobre a morte na cruz,
apresentando-o como o messias glorioso. É o que indicam seu rosto
transfigurado e suas vestes resplandecentes de brancura (Lc 9,29). A
ressurreição, a vitória sobre os poderosos, é a vida em toda a sua
plenitude que vence os poderes de morte deste mundo.
Lucas é o único evangelista a informar que Jesus
subiu o monte com o propósito de orar (Lc 9,28), buscando estar em
sintonia constante com o Pai, de modo que o Espírito dele fosse a força a
conduzir a sua missão (Lc 4,14-19).
Elias é o representante da profecia. Moisés
faz lembrar não somente o êxodo, mas também todo Pentateuco, toda lei,
que a tradição judaica atribuía a ele. Por um lado, a lei e os profetas,
isto é as Escrituras todas, se cumprem em Jesus. Ou seja, o Nazareno dá
continuidade à primeira aliança, levando-a à sua plenitude. Por outro
lado, as comunidades apresentam Jesus como um profeta que, tal como os
profetas Elias (1Rs 17,1) e Moisés (Dt 18,15), veio anunciar um novo
êxodo de liberdade para seu povo. O fato de Jesus subir no monte,
acompanhado por Pedro, Tiago e João, confirma esta perspectiva, pois é
uma referência ao monte Sinai, no qual Deus deu a conhecer ao povo o seu
projeto de vida e de liberdade, que Moisés registrou no decálogo (Ex
20,2-17). A tradição identificou a montanha da transfiguração com o
monte Tabor. E Jesus é apresentado ao mundo como o novo Moisés que vem
para resgatar a essência da lei, isto é, o amor que liberta e promove a
vida de todos igualmente.
Ao propor ficar na montanha e construir três tendas (Lc
9,33), Pedro revela sua dureza de coração. Segundo os evangelistas
Mateus e Marcos, fazia pouco tempo que Jesus já lhe tinha chamado a
atenção para sua cegueira, acusando-o de cumprir a função de Satanás
como pedra de tropeço no projeto de Deus (Mt 16,22-23; Mc 8,33). Mesmo
assim, Pedro ainda não compreendera que a construção da justiça do Reino
não permite privilégios, nem acomodação. Ser discípulo não é somente
participar da glória de Jesus, mas é também carregar a sua cruz, gerando
e defendendo a vida.
A nuvem (Lc 9,34) é um dos símbolos
privilegiados na Bíblia para falar da presença de Deus (Ex 13,21; 16,10;
34,5; Nm 12,5). E, tal como Maria fora envolvida pela sombra do poder
do Altíssimo (Lc 1,35), agora desceu uma nuvem sobre a montanha,
envolvendo-os. É o Pai confirmando a missão do Filho. Da nuvem saiu uma voz que disse: "Este é meu filho, o meu eleito; ouvi-o", da mesma forma como já havia anunciado por ocasião do batismo (Lc 3,22). Jesus é o Emanuel, presença libertadora de Deus entre nós (Mt 1,23).
Não é possível acomodar-se no alto da montanha. Ouvir a sua voz desinstala e leva a descer
para junto do povo sofrido e tornar o Reino de Deus presente, sem
ufanismo ou triunfalismo (Lc 9,37). Mas ciente de que o seguimento
humilde da prática libertadora de Jesus significa estar disposto a
também sofrer as consequências da cruz.
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