(João 18,33-37) - Edmilson Schinelo e Ildo Bohn Gass
por Centro de Estudos Bíblicos (CEBI)
Para Jesus, a morte se mostrava iminente. Talvez lhe restasse apenas uma saída: fazer o jogo do poder, oferecido por Pilatos. Isso significaria abandonar o projeto que tinha assumido e proposto a seu grupo de seguidoras e seguidores. A conversa é tensa e Jesus pouco fala. O mundo de Pilatos não é o seu.
É assim que a comunidade joanina nos descreve o
confronto entre dois projetos: o "mundo" e o "Reino". Ao ser indagado,
Jesus assume a sua realeza. Mas esclarece: "Meu Reino não é como os
reinos deste mundo" (João 18,36).
Na história da interpretação dos textos joaninos, com
certeza essa é uma das frases que mais serviu para manipular a proposta
de Jesus. Muitos a interpretaram como a afirmação de que a missão de
Jesus foi "salvar almas para depois da morte" e não salvar vidas. Seu
Reino foi jogado apenas para o céu (o pós-morte), como se Jesus não
tivesse dito em sua oração: "venha o teu reino, seja realizada na terra a
tua vontade, como é realizada nos céus" (Mateus 6,10).
Meu Reino não é como os reinos deste mundo
Nos escritos joaninos, o termo mundo significa tudo o que se opõe ao projeto de Deus. Uma tradução mais adequada da resposta de Jesus a Pilatos poderia ser: Meu reino não é como (de acordo com, conforme) este mundo. Ora, as comunidades joaninas sabiam muito bem como era o mundo de Pilatos, representante do Império Romano na Judeia. O mundo
do Império impunha seu poder pela força das armas e pelas negociatas e
artimanhas, entre relações desleais, corruptas e corruptoras. A proposta
de Jesus é outra, seu Reino não compactua com este mundo.
O Reino de Jesus se apoia no poder serviço (João 13),
que não busca prestígios, mas que doa sua vida até a morte na cruz para
que a vida aconteça em plenitude (João 10,10).
Jesus é rei, mas de outro projeto político
Muitas vezes, a frase em questão também é utilizada
para justificar a postura de gente que afirma que "política e religião
não se misturam". No intuito de justificar seu comportamento religioso
teoricamente apolítico, pessoas e grupos também "espiritualizam" a
leitura do movimento de Jesus: enquanto "rei espiritual" dos judeus, o
Mestre almejava anunciar uma mensagem de paz totalmente espiritual e
religiosa. Infelizmente, não raras vezes, muitos dos que defendem essa
postura, se líderes religiosos, vivem atrelamentos vergonhosos com
políticos e empresários. E, se políticos ou empresários, quase sempre
pedem as bênçãos de um líder religioso para suas ações e seus
empreendimentos financeiros. Justificar o sistema com elementos e
símbolos religiosos não seria, portanto, juntar religião e política.
Questionar o sistema por meio da fé, isto seria.
A proposta de Jesus é uma proposta religiosa, de
vivência de uma espiritualidade radical, que não se contenta com a
superficialidade, mas vai até raízes mais profundas. Por essa razão, uma
proposta altamente política. Ele mesmo, no capítulo 17, roga ao Pai
pelos seus: "Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo. Mas não
peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno" (João
17,14b-15).
Quem é da verdade, escuta minha voz
A concepção hebraica de verdade difere da mentalidade
greco-romana. Enquanto para Aristóteles "a verdade é a adequação do
pensamento à realidade", para um hebreu autêntico, verdadeira é a pessoa
fiel ao projeto de seu Deus e de sua comunidade. Verdade é sinônimo de
fidelidade.
Em sua conversa com Pilatos, Jesus não tem receio de
afirmar: "Vim ao mundo para dar testemunho da verdade" (João 18,37).
Testemunhar a verdade é doar a vida até as últimas consequências. É
fidelidade ao projeto amoroso do Pai.
"E quem é da verdade, escuta a minha voz". Quem
decide viver a verdade, o amor fiel, adere ao projeto de vida que vem do
Pai, tal como a ovelha, ao ouvir a voz do seu pastor, segue-o pelo
caminho (João 10).
Para a comunidade joanina, romper com os reinos deste
mundo é assumir uma forma de espiritualidade que estimule relações
alternativas, de justiça e de ternura, de partilha e de paz. A paz,
fruto da justiça e não a paz imposta pelas armas dos impérios deste
mundo (João 14,27).
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