Carta de Tereza Cavalcanti a Milton Schwantes. Escrita
há cerca de 4 anos, ao voltar de um encontro da Bolívia. Nessa carta,
afirma a autora, ficou refletida a contribuição desse meu mestre para
meu trabalho como teóloga e para minha vida de fé"
Tereza Cavalcanti é biblista e colaboradora no CEBI-RJ.
Caro Milton,
Lembrei-me muito de você num encontro
latino-americano e caribenho de CEBs que aconteceu recentemente em Santa
Cruz de la Sierra, Bolívia. É que logo na nossa chegada ao local de
alojamento, as conversas entre o povo foram sobre a diversidade dos
alimentos, e os costumes no modo de servi-los. Por exemplo, o que nós
chamamos de banana, na Bolívia e outros países chamam de plátanos.
Banana para eles, só as que são comidas cozidas.
O pessoal que veio do Panamá disse que estava
espantado porque tínhamos água normalmente, o que lá é raro. Sentiram-se
num "hotel 5 estrelas", apesar de estarmos em quartos de 2 por 3
metros, com 3 pessoas dividindo beliches. Na celebração inicial, foi
uma explosão de cores, com a indumentária indígena variadíssima e
belíssima, somada às bandeiras de cada país e aos painéis com os
símbolos das comunidades. O som dos cânticos ritmados e a alegria
estampada nos rostos nos fazia sentirmos como num pequeno paraíso.
Em seguida, veio a exposição da situação de cada
região e país, enriquecida pelos depoimentos dos delegados, sempre
trazendo a luta pela sobrevivência e contra as grandes mineradoras
estrangeiras, os grandes projetos de hidrelétricas e de agro-negócio,
com suas desastrosas consequências ecológicas, etc..
Diversidade cultural é coisa de pobre!
Juntando tudo aquilo na minha cabeça, quando me
pediram pra participar de um painel de "iluminação teológica", me veio
muito clara a sua contribuição sobre o texto do Gn 11, 1-9, onde a torre
de Babel é interrompida pela dispersão. A dispersão
foi, como você muito bem observou, a solução da luta de resistência
contra o império. Juntei essa sua idéia com uma frase que o Téo (meu
marido) ouviu de um banqueiro: "quem cria diversidade cultural são os
pobres. Os ricos não criam diversidade".
Então a minha palavra no painel foi essa: eu vi
naquela imensa diversidade das culturas dos pobres a melhor forma de
resistência contra um império que impõe uma única língua, um único
modelo de vida, um único pensamento: o império é a reprodução indefinida
do MESMO. Não tolera a diversidade. Você pode ir visitar um shoppíng center em qualquer país do mundo, é tudo igual. Mesmas marcas, mesmas comidas, mesmos cheiros, mesmas roupas...
Então a saída está na recusa de reproduzirmos o
mesmo! Mantenhamos nossa diversidade, que dela virá o outro mundo
possível, que aliás já está aí!
Algumas pessoas vieram após o painel me perguntar de
onde eu tirei essa interpretação de Babel (especialmente os teólogos
homens fazem esse tipo de perguntas às teólogas mulheres) e eu tive um
grande prazer em me referir a você!
Bem, eu queria apenas partilhar com você essa experiência e te agradecer por sua constante "iluminação" em meu trabalho!
Um grande abraço pra você e pra Rose. E muito obrigada por ser quem você é!
Tereza
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