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sexta-feira, 11 de abril de 2014

O injustiçado inocente


jesus-e-a-multidoDepois da intensa caminhada quaresmal, chegamos com Jesus às portas de Jerusalém, a cidade do grande Rei (Mt 5,35), o lugar onde o destino de Israel e dos profetas deve cumprir-se (Lc 13,33).
A festa do Domingo de Ramos faz memória da entrada de Jesus na cidade montado num jumentinho, aclamado pela "numerosa multidão que estendeu suas vestes pelo caminho, enquanto outros cortavam ramos das árvores e os espalhavam pelo caminho (Mt 21, 8).
Pessoas que estiveram com Jesus, escutado suas palavras, experimentado sua misericórdia, seu amor sem fronteiras, e sentido também seu sofrimento. Talvez não compreendessem plenamente quem era seu Mestre, mas seu coração lhes gritava que esse homem era o Filho de Deus.
 
Podemos nos perguntar se reconhecemos no humilde de Jesus o Filho de Deus. Temos liberdade para alçar com alegria o "ramo" de nossa fé reverente, e agradecer sua Presença em nossa vida, família e comunidade.
É assim que o evangelista mostra como em Jesus se cumprem as palavras ditas pelo profeta: “Dizei à filha de Sião:
Eis que o teu rei vem a ti, manso e montado num jumento, num jumentinho, cria de um animal de carga" (21, 5).
O Messias está chegando para nós, quer entrar na nossa cidade, na nossa comunidade, na nossa família, na vida pessoal de cada um/a.
Olhando ao nosso redor, podemos perceber a necessidade de paz, vida e liberdade que sofrem nossos países, nossa América Latina e o mundo inteiro.
Lembremos a permanente luta e repressão dos povos indígenas que, como escreve Egon Heck, do Secretariado Nacional do CIMI, 1964 “foi o início de políticas indigenistas militarizadas, repressão e controle do movimento indígena, transferência forçada de dezenas de povos e comunidades em função das grandes obras, rodovias, hidrelétricas, mineração, fronteiras vivas, instalação de obras militares em terras indígenas na fronteira, projetos geopolíticos, como o Calha Norte”; mas também foi “o período em que os povos indígenas do fundo do poço e sob a tirania dos projetos de morte, começaram a lutar heroicamente ou na resistência silenciosa, foram tendo visibilidade e conquistaram muitos aliados na sociedade brasileira e mundial”.
Unidos à Campanha da Fraternidade desta Quaresma, temos presente também a realidade da escravidão que “na atualidade tem um peso nunca visto na história da humanidade”. A Organização Internacional do Trabalho estima em 21 milhões o número de vítimas, tanto homens como mulheres, um em cada quatro com menos de 18 anos.
Abracemos em nossos corações estas situações junto com as outras que cada um/a de nós conhece e humildemente peçamos a Jesus que entre, deixemos espaço para que Ele caminhe entre nós, comunicando-nos a Boa Notícia do seu Reino.
O Reino de Deus é aquele que busca a felicidade dos/as pequeninos/as e por isso é um reino de justiça que se opõe a toda autoridade, estrutura ou instituição que atente contra a vida, que produza morte.
A vida de Jesus nos mostra claramente como suas palavras, atitudes e ações revolucionam, subvertem uma sociedade civil e religiosa que escraviza, de diferentes formas, os pequenos, as mulheres, os pobres e os doentes.
Quando Jesus entra em Jerusalém, a cidade está repleta. Vindo de diferentes lugares, os judeus reuniam-se por famílias, por clãs, na cidade santa, para celebrar a festa da Páscoa, na qual faziam memória da ação libertadora de Deus que os tirou da escravidão e caminhou com eles pelo deserto rumo à terra prometida.
O evangelho de hoje nos situa no coração desta festa. Jesus, como bom judeu, estava também reunido com seus amigos e amigas.
O texto da Paixão de Jesus pode ser lido com a chave da justiça: é o grande enfrentamento da justiça do Reino com a injustiça oficial das autoridades daquele tempo.
Não existem cargos contra Jesus: "os chefes dos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam algum falso testemunho contra Jesus, a fim de o condenarem à morte. E nada encontraram, embora se apresentassem muitas falsas testemunhas" (59-60).
Na injustiça do mundo, Jesus permanece fiel ao Pai e seu reino. Ele é o Messias, o Filho de Deus.
O diálogo com o Sumo Sacerdote nos revela que Jesus é ciente de sua dignidade: "E o sumo sacerdote disse: “Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Messias, o Filho de Deus”. Jesus respondeu: “É como você acabou de dizer. Além disso, eu lhes digo: de agora em diante, vocês verão o Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu’” (63-63).
É o Filho de Deus que assume a condição de servo, para que o reino aconteça (Flp 2, 611), para que a justiça triunfe, para que os presos e oprimidos sejam libertados, os cegos recuperem a vista, os coxos caminhem, e a humanidade, junto com a criação, possa exclamar: Abbá, Pai-Mãe!
O injustiçado inocente, proclamado "réu de morte", caminha à entrega total de sua vida, denunciando a todos/as aqueles/as que, de alguma maneira, formam um sistema de opressão e de morte.
Hoje pode ser um dia para nos perguntar: com nossa vida, trabalho, atitudes, opções estamos construindo o reino de justiça pelo qual Jesus deu a vida? Ou somos cúmplices de uma sociedade de morte, que continua injustiçando inocentes?
É nestes injustiçados inocentes que Jesus se faz presente e nos interpela, nos questiona sobre o que estamos fazendo, que mundo estamos construindo.
Muitos/as irmãos/ãs nossos/as, solidários/as com a realidade de seu povo, seguindo os passos de Jesus, deram sua vida pela causa do reino. Alguns foram mortos brutalmente, outros levaram sua vida até o fim.
Eles e elas viveram plenamente o convite de Jesus para participar da mesa pascal: “Tomem e comam, isto é o meu corpo”. Em seguida, tomou um cálice, agradeceu, e deu a eles dizendo: “Bebam dele todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos, para remissão dos pecados” (Mt 26, 28).
Estes/as irmãos/ãs fizeram-se com Jesus pão partido e sangue derramado para que a Vida, a justiça, a liberdade brotem, cresçam e se multipliquem, para assim continuar construindo um mundo novo: "Eis que faço novas todas as coisas" (Ap 21, 5).

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