O texto situa-se no
contexto do último Discurso de Jesus, na Ceia Pascal. Começa logo após a
saída de Judas para trair Jesus, depois que Jesus lhe disse "o que você
pretende fazer, faça-o logo" (Jo 13, 27). Com a licença oficial dada ao
agente de Satanás para iniciar o processo que iria matá-lo, Jesus
começa o processo da sua glorificação.
A sua fidelidade ao projeto do Pai vai levá-lo à
Cruz, que, no Quarto Evangelho, não é um sinal de derrota, mas da
vitória última e permanente de Deus. Por isso, a morte de Jesus,
aparente vitória do mal, será a glorificação de Jesus, e nele, do Pai.
O anúncio da sua partida, para os judeus uma ameaça (v 33), é para a
comunidade dos seus discípulos um momento de emoção e carinho. A sua
última dádiva a eles é um novo mandamento: "eu dou a vocês um novo
mandamento: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês
devem se amar uns aos outros."(v 34).
O que há de novo neste mandamento?
O que diferencia a proposta de amor de Jesus e dos
seus seguidores de outras propostas já conhecidas? O mundo do tempo de
Jesus, tanto na sociedade pagã como judaica, conhecia propostas de amor
mútuo. O mandamento de Jesus é novo em primeiro lugar porque ele se
impõe como exigência essencial para entrar na comunidade "escatológica".
Essa é a comunidade que já experimenta a presença do
Reino de Deus, mesmo que ainda espere a sua plena realização, ou seja,
uma comunidade que experimenta a salvação já realizada em Jesus,
enquanto ainda experimenta a sua situação permanente de fraqueza. Também
é novo, porque não se fundamenta nas leis sobre o amor, da tradição
judaica (p. ex. Lv 19, 18, ou os documentos do Qumrã), mas na entrega de
si, de Jesus.
O modelo deste amor é o exemplo do próprio Jesus
"assim como eu vos amei!". E como ele nos amou? Entregando-se até a
morte, para que todos pudessem "ter a vida e a vida plenamente" (Jo
10,10). Este amor não é sinônimo de simpatia ou sentimento de atração.
Exige humildade e a disposição para o serviço que leva a morrer pelos
outros.
Este "morrer" normalmente não se expressa através
duma morte literal, mas morrendo diariamente ao egoísmo e à busca do
poder dominador, para que sejamos servidores, especialmente dos mais
humildes, ao exemplo do Mestre que "não veio para ser servido, mas para
servir" (cf. Mc 10,45).
Este amor e tão fundamental para a comunidade dos
discípulos de Jesus que deve ser tornar o seu sinal característico:
"assim todos reconhecerão que vocês são meus discípulos" (v. 35). Mais
do que uma lista de doutrinas, mais do que práticas litúrgicas ou
rituais, embora essas tenham o seu lugar e a sua importância, é o amor
mútuo e concreto que deve distinguir os discípulos de Jesus.
Atos dos Apóstolos nos lembra que "foi em Antioquia
que os discípulos receberam, pela primeira vez, o nome de "cristãos".
(At 11,26). Receberam uma nova designação, da parte dos outros, porque a
sua maneira de viver era marcadamente diferente das outras comunidades
religiosas da cidade - era marcada pelo amor mútuo.
O Evangelho de hoje nos convida para que honestamente
nos examinemos a nós mesmos, para verificar se este amor-serviço ainda é
a marca característica de nós, discípulos/as de Jesus, na nossa vida
individual e comunitária!
O Livro da Glorificação e a hora de Jesus*
O Livro da Glorificação e a hora de Jesus (Jo 13,1 a
20,31) é chamado assim porque mostra a realização plena de tudo que
Jesus vinha prometendo enquanto fazia os sete sinais nos capítulos
anteriores. O Livro da Glorificação começa com esta frase: "Sabendo
Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo
amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim" (Jo 13,1),
Finalmente. checou a hora de Jesus ser glorificado pelo Pai (Jo
12,23.27-28; 13.31; 17,1) e de de nos revelar o verdadeiro rosto do Pai,
que é o Amor (Jo 4,8.16). A frase mostra que Jesus está disposto a
levar até o fim sua obra de revelar o amor do Pai. A hora de Jesus é a
hora do seu retorno para o Pai.
Como esta hora foi fixada pelo próprio Pai, ninguém
sabe o momento exato em que ela acontecerá. Por isso, no Evangelho de
João, na medida em que vamos acompanhando a caminhada de Jesus cresce o
suspense com relação à chegada da hora de Jesus. Este suspense atinge
seu ponto máximo em Jo 7,1: "Pai, chegou a hora: glorifica teu Filho
para que teu Filho te glorifique!"
A dinâmica do texto do Quarto Evangelho vai
preparando o leitor para que ele mesmo possa descobrir o momento certo
da chegada desta hora. O suspense começa nas bodas de Cana. Diante do
pedido de sua mãe. Jesus diz que sua hora ainda não chegou (Jo 2,4). Mas
a atuação de Maria mostra que a caminhada em direção à hora já foi
iniciada e os sinais começam a surgir. Diante da samaritana Jesus diz
que "virá a hora - e é agora - em que surgirão os verdadeiros adoradores
do Pai" (Jo 4,23). Os sinais de Jesus aumentam o suspense. Por duas
vezes, os inimigos querem prendê-lo, mas ainda não tinha "chegado a sua
hora", e a prisão não acontece (Jo 7,30 e 8,20). Para o evangelista não
são os inimigos, mas sim o Pai quem determina a hora de Jesus. Quando
chegar a hora da eles ação do Filho do Homem, acontecerá, ao mesmo
tempo. a glorificação de Jesus e a derrota de seus adversários (Jo
12,31-32).
Os sinais feitos por Jesus levam seus inimigos a
planejar sua morte (Jo 11.45-54). Jesus sabe então que sua hora está
chegando (Jo 12,23.27; 13,1:16,32). A tensão entre ele e seus
adversários culmina na sexta hora,no momento em que se sacrificavam os
cordeiros para a Páscoa (Jo 19,14). Nesta hora Jesus, o novo Cordeiro de
Deus, inaugura a nova Páscoa. Este exato momento entre a hora de Jesus
como o novo Cordeiro e sua gloriosa subida para o mundo do alto é
descrito com belas imagens em Ap 5,5-14.
Para as comunidades do Discípulo Amado também chegará
a hora, Para cada discípulo ou discípula o encontro com Jesus acontece
numa hora marcante e inesquecível (Jo 1.39). Mas o suspense que existiu
entre Jesus e o mundo também continuará a existir entre a comunidade e o
inundo. Para a comunidade chegará uma hora semelhante à de Jesus (Jo
16.2. Esta hora significa perseguições e morte (Jo 16,4). Diante do
exemplo deixado por Jesus. as comunidades chegarão. através desta hora, à
alegria que vem de Deus (Jo 16.21-22).
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