Estamos nos aproximando do terceiro domingo da Quaresma. Este é um tempo de graça (kairos), um tempo oportuno para a conversão, a mudança de vida. E a liturgia nos propõe, como luz no caminho, o texto de Lucas 13,1-9. Encontramos esta narrativa somente no evangelho segundo Lucas.
Vamos
refletir sobre este relato em dois momentos. Primeiro, a partir do
diálogo de Jesus com algumas pessoas que o procuraram. Depois, a partir
da parábola que ele lhes contou.
Mudai de vida! (Lucas 13,1-5)
Esta
narrativa situa-se na caminhada de Jesus com seu grupo desde a Galileia
(Lucas 9,51) até Jerusalém (Lucas 19,28), onde autoridades do sinédrio e
da ocupação romana o condenarão à morte na cruz. Porém, a vida vencerá a
morte. Nesse sentido, o evangelho deste final de semana é um convite
para a conversão, a mudança de direção em nossas vidas, de modo a andar
no mesmo caminho de justiça proposto por Jesus. Porém, ontem e hoje,
rejeitado pelos poderosos deste mundo. É o caminho em que Jesus vai
formando seus discípulos e suas discípulas.
O texto não informa
quem são as pessoas que procuraram Jesus para falar do massacre que
Pilatos promovera no pátio do templo junto ao altar, onde galileus
estavam oferecendo sacrifícios. Provavelmente, é uma referência à
chacina de galileus executada pelo interventor romano, quando estes
resistiram contra o saque do tesouro do templo que Pilatos havia feito, a
fim de construir um aqueduto.
Pela
resposta de Jesus, podemos entender o contexto. Eram pessoas que
queriam saber sua opinião a respeito de quem era o pecado para tamanho
“castigo”. O caso trata da mesma questão de João 9, onde os discípulos
perguntam a respeito do cego de nascença: “quem pecou, ele ou os pais
dele?” (João 9,1). Ao que Jesus responde: “nem ele, nem seus pais, mas
para que nele se manifestem as obras de Deus” (João 9,2). Assim, vemos
que Jesus concorda com os autores dos livros de Rute, Jó, Eclesiastes e
Jonas. Também eles discordam da teologia da retribuição, isto é, da
experiência com um Deus que castiga os pecadores e abençoa os justos. A
resistência indignada de Jó contra a catequese oficial do templo,
representada por seus “amigos”, questiona a imagem de Deus tipo “toma
lá, dá cá”. E Jesus se insere nessa mesma experiência com um Deus de
ternura, e não um Deus sempre a postos para castigar ou abençoar, de
acordo com os méritos de cada pessoa. Em vez da experiência com a
teologia da retribuição que gera medo nas pessoas, Jesus faz a
experiência com o Deus da graça.
Por isso, ele logo
responde que o massacre dos galileus não é por serem pecadores. É que
Jesus sabia muito bem qual era a prática dos romanos diante de quem
resistia à sua dominação: “Sabeis que aqueles que vemos governar as
nações as oprimem, e seus grandes as tiranizam” (Marcos 10,42). Além do
fato lembrado pelos interlocutores de Jesus, ele recorda também a morte
dos dezoito trabalhadores na torre de Siloé em Jerusalém (Lucas 13,4).
No entanto, Jesus aproveita aqueles dois fatos para chamar à conversão (metánoia),
isto é, à mudança de mentalidade, à mudança de vida. Converter-se é não
se amoldar aos esquemas deste mundo (Romanos 12,2). Na carta aos
efésios, Paulo ou seus discípulos escreveram que o modo de vida deste
mundo vem do maligno (cf. Efésios 2,2). E o modo de vida deste mundo,
entre outras práticas, é de discriminação e de violência, de injustiça e
de ódio, de busca de riquezas e de poder. Portanto, Jesus propõe outro
espírito de vida, outro caminho. São atitudes de acolhida e de ternura,
de justiça e de amor, de partilha e de serviço. Neste relato, duas vezes
Jesus pede aos que o procuraram, e hoje a nós, para seguirmos por seu
caminho: “mudai de vida!” (Lucas 13,3.5).
Aqui,
convém lembrar que Jesus passa toda sua vida lutando contra uma
teologia que impõe medo. Por isso, o vemos tantas vezes dizendo: “não
tenhais medo!” (cf. Lc 5,10; 8,50; 12,4-7.32). Ou ainda: “Coragem!” (cf.
Mt 9,2.22; 14,27).
Mudai de vida e produzi frutos! (Lucas 13,6-9)
Depois
do duplo chamado à mudança de vida, Jesus ainda conta uma parábola: a
figueira plantada em meio a uma vinha. Tanto a vinha (Isaías 5,1-7) como
a figueira (Joel 1,7) eram imagens do povo da aliança. Por ser um povo
em aliança com o Deus da vida, sua missão no mundo é, tal como a vinha e
a figueira, produzir frutos, e frutos de justiça (Isaías 5,7) e de amor
(João 15,1-17), em profunda comunhão com o Deus da aliança. Mas, a
figueira não produziu os frutos desejados.
Interessante
notar que Marcos (11,12-14.20-24) e Mateus (21,18-22) situam a parábola
da figueira em íntima conexão com a expulsão dos vendilhões do templo.
Ou seja, a figueira é símbolo do sistema do templo que manipula a
aliança com Deus, de modo a não mais gerar os frutos que deveria. Em vez
de promover a vida em comunhão com o Pai, foi transformado em covil de
ladrões (Lucas 19,46). Em Marcos e Mateus, portanto, a figueira seca
representa toda estrutura do templo que não gera mais frutos de justiça.
E aqui, temos um julgamento severo e indignado de Jesus sobre a
instituição oficial judaica ao amaldiçoar a “figueira”.
Diferentemente,
Lucas insere a parábola da figueira em outro contexto e apresenta Jesus
revelando a misericórdia de Deus. Mais do que os outros evangelhos,
Lucas resgata esse rosto misericordioso de Deus (cf. Lucas 6,36;
15,11-32). Na parábola, o dono da vinha representa Deus. E, como em
Mateus e Marcos, seu julgamento é severo: “podes cortá-la” (Lucas 3,7).
Mas Jesus, que é representado pelo vinhateiro, pede a seu Pai mais uma
chance para o povo: “Senhor, deixa-a ainda este ano, para que eu escave
ao redor dela e ponha estrume” (Lucas 13,8). Jesus revela outra imagem
de Deus: misericordioso, compassivo, cheio de ternura e de perdão. Como o
pai misericordioso, sempre dá uma chance e espera a volta do filho,
pronto para festejar o seu retorno (Lucas 15,11-32).
É
esse convite que Jesus também nos faz nesta Quaresma e em todos os dias
de nossa vida. Ele quer a vida e não a morte. “Porque não tenho prazer
na morte de ninguém, diz o Senhor. Portanto, mudai de vida e vivei”
(Ezequiel 18,32; cf. v. 23).
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