Sacrifícios
Ficamos
felizes por ouvir Deus dizer que não deseja os nossos sacrifícios
(citação do Sl 40 na 2ª leitura). No Salmo 50 (7-14), ouvimos Deus
declarar que não come a carne dos touros e que todos os animais da terra
lhe pertencem. O antropólogo René Girard explica que,
divididos por suas invejas e cobiças, os homens, para se reconciliarem,
tomam uma vítima supostamente carregada de todas as violências do povo e
que, sendo imolada, ela leva embora a violência toda cometida,
tornando-se sagrada desde então. Diversos outros elementos se conjugam a
esta perspectiva. Trata-se também de satisfazer e, portanto, de
apaziguar a cólera de um Deus ultrajado. Acrescente-se, no caso de
Israel, a vontade de instituir-se um rito que signifique que todas as
riquezas naturais que nos alimentam nos são dadas por Deus.
Todos
estes aspectos do sacrifício foram aplicados ao Cristo, mas valem
apenas a título de metáforas. A Epístola aos Hebreus, frequentemente mal
interpretada, explica que, com o Cristo, tudo o que se refere ao
sacrifício muda de sentido. Em primeiro lugar, não se trata mais de
oferecer alguma coisa, mas sim de oferecer-se a si próprio, de
reconhecer que pertencemos à nossa origem, Deus. Além disso, não se
trata mais de “o Pai acalmar o seu furor”, mas de amar até o fim, até o
fim de si mesmo. Donde se conclui que o termo “sacrifício” é cheio de
ambiguidades e que só podemos usá-lo com muitas precauções.
O verdadeiro sacrifício
No Antigo Testamento, é com muito trabalho que, aos poucos, este “sacrifício” vai perdendo o seu sentido arcaico para se tornar “sacrifício de louvor”. O Salmo 50 conclui assim os versículos sobre a recusa de Deus aos holocaustos: “quem por sacrifício me oferece a ação de graças, este me glorifica”. Deus dá, nós recebemos. O reconhecimento, portanto, é o verdadeiro sacrifício. Santo Agostinho escreve
que “o verdadeiro sacrifício é toda a boa ação pela qual nos fazemos um
só com Deus, em comunhão de amor”. Vê-se logo, portanto, que não se
trata de causar sofrimento contra si mesmo nem despojar-se de qualquer
coisa a não ser por amor; não se trata mais de comprar a boa vontade
divina por algum mérito qualquer; nem tampouco de pagar um preço pelos
nossos pecados. Tudo isto já nos foi dado e é por isso que o único
sacrifício é a ação de graças.
Não
é este o sacramento central da vida cristã? O sinal maior pelo qual
significamos para nós e para os outros a obra de Deus entre nós? A
Eucaristia, quer dizer, a Ação de Graças? Se tudo para nós se recapitula
neste reconhecimento, se este reconhecimento, este agradecimento é a
nossa atitude normal e constante para com Deus, se é este o conteúdo
privilegiado de nossa oração, é porque é a expressão maior de um duplo
movimento que exprime toda a nossa relação para com Deus: o nosso desejo
por Ele e o dom de Si Próprio que Ele nos faz.
Maria e Isabel
O que encontramos no evangelho de hoje? Este jorrar de reconhecimento brotado desde o ventre de Isabel e a explosão do reconhecimento de Maria.
Uma dupla ação de graças. É este o autêntico sacrifício. É duplo. Era
preciso que se alegrassem juntas a mãe do Senhor e a mãe do servidor. A
esta passagem do evangelho chamamos “visitação”. Além da visita que faz Maria a Isabel,
temos também a visita de Deus. Estas duas mulheres representam a
humanidade em seu acolhimento de Deus. Não vamos esquecer que nossa
vida, toda a vida, depende deste acolhimento. Exatamente por isso, o
nascimento é a razão da ação de graças destas duas mulheres.
Por que das mulheres? Temos também, com certeza, a ação de graças de Zacarias, o pai de João Batista; mas a mulher, nesta cultura, é o símbolo da abertura e do acolhimento. E, também, da vida: “Eva”
significa “mãe dos viventes”. A gratidão das duas mulheres representa o
reconhecimento de todos os que, desde o início da Bíblia, viveram a
história da vinda de Deus aos homens: o texto da visitação é um tecido
de referências ao Antigo Testamento, sobretudo o Magnificat (ausente de
nossa leitura). O “sim” de Maria no “cumprimento das palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor” nos faz repensar a passagem já citada do Salmo 40, retomada na segunda leitura: “Eu vim para fazer a tua vontade.”
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