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segunda-feira, 23 de julho de 2012

Discurso de Milena, Neta do Revdo. Kaneko, Na Celebração de Ação de graças 70 anos

Bom dia a todos!
Meu nome é Milena Hama e eu sou a neta mais velha do Rev. Kaneko e filha da Lídia Kiyoe.
Eu estou muito feliz e honrada por poder estar presente nesta celebração e homenagem de Ação de Graças pelos 70 anos da chegada da Igreja Episcopal Anglicana em Londrina e gostaria de agradecer em nome da Família Kaneko, por essa oportunidade – permitida pela Reverenda Lúcia e pela comunidade Episcopal Anglicana de Londrina – de podermos recordar a vida do meu avô.
Nós sentimos gratidão pelo trabalho dos pioneiros em Londrina e nas outras cidades onde a igreja fez o trabalho pastoral. A família tem muitas boas lembranças da época em que viveram aqui e as filhas do Rev. se recordam do carinho que recebiam dos fiéis quando elas acompanhavam seus pais nas visitas pastorais. Muitas vezes elas ganhavam balas e guloseimas e isso era uma alegria imensa em uma época em que o consumismo não era desenfreado como hoje. Tenho a certeza de que aqueles fiéis mais idosos aqui presentes têm muitas histórias para contar sobre essa época pioneira e a nossa família ficará muito feliz se eles puderem compartilhar de suas memórias após o culto.
Eu gostaria de informar-lhes que temos hoje aqui presentes oito membros da Família Kaneko: as filhas do Reverendo – Lídia Kiyoe, Edith Yurie, Sarita Mitie e Ivete Nobue – e quatro netos – Renato, Melina, Thomas e eu. Os outros membros não puderam comparecer. Minha avó, D. Esther Yoshie está muito idosa, com 92 anos de idade, e por isso não pode se locomover por grandes distâncias. Minha tia Alice Marie, desde os 17 anos sofre de transtorno bipolar e mora em uma instituição psiquiátrica. Os outros – meu tio Edmundo Nozomi, o filho caçula e o único dos filhos que não nasceu em Londrina, meus primos Leonardo e Saskya e minha irmã Lia – não puderam comparecer por motivos profissionais.
Quando eu estava escrevendo este discurso, pensei por bem falar um pouco sobre a atuação do Rev. Kaneko como pastor, não por querer exaltá-lo em público, mas sim porque sua vida foi emblemática daquela época de desbravadores que hoje parece tão distante para nós das gerações mais novas. Assim, eu gostaria que o ato de rememorar a vida do meu avô, seja também não somente o ato de relembrar o passado comum a todos aqueles pioneiros da época, mas também seja o ato de relembrar uma era da história brasileira e do legado que herdamos dos nossos antepassados.
Quem era o Rev. Kaneko?
Acima de tudo, como resultado de sua escolha e vocação, ele era, por definição, um homem público. A carreira sacerdotal implica em dedicar-se à comunidade e lidar com as angústias e sofrimentos inerentes ao ser humano, segurando as mãos do fiel para que ele possa se reerguer em uma situação em que a ciência ou o dinheiro não consegue resolver.
Essa dedicação à comunidade significava, naquela época, um trabalho pastoral de envolvimento intenso em serviços diversos de cunho social.
A década de 40 foi bastante difícil para as colônias japonesa, italiana e alemã devido à Guerra – pois vale lembrar que os membros dessas colônias precisavam tirar salvo-conduto para viajar e estavam impedidos de conversar em sua língua materna e de realizar festas.
Além disso, existiam dificuldades sócio-ambientais que afetavam muito a salubridade das pessoas. Dificuldades essas decorrentes: da água contaminada devido aos problemas sanitários, da inexistência de especialistas em diversos campos e da escassez e precariedade dos meios de transporte e comunicação.
Diante dessa situação, a comunidade se voltava aos missionários para pedir ajuda para diversos assuntos.
Tanto ele como a minha avó acompanhavam frequentemente pessoas feridas até o hospital e abrigavam pacientes e acidentados provenientes de locais remotos e de outras cidades, em sua casa, para que pudessem receber tratamento médico. Muitos desses pacientes haviam contraído doenças infecciosas, tais como: malária, cólera, tifo e tétano – esta última sendo uma doença muito comum por causa dos apetrechos enferrujados na lavoura. Eles os hospedavam em casa, preparando sopas nutritivas reforçadas, além de lavar e ferver os lençóis desses doentes para evitar contágio.
Também serviam de tradutores e intérpretes em diversas situações, como por exemplo: ajudar a providenciar certidões de nascimento, de casamento e de óbito; e ajudar as crianças a matricularem-se nas escolas porque os pais tinham dificuldade com o português.
Muitas vezes o Rev. Kaneko teve que interpelar junto às autoridades para conseguir autorização para casamentos, devido às proibições decorrentes da Guerra.
Além disso, alguns jovens vinham de outras cidades e moravam durante algum tempo com a Família Kaneko para poder estudar em Londrina.
Minhas tias e minha mãe lembram-se da quantidade de pessoas aflitas por vários problemas, tanto materiais como mentais ou emocionais, que vinham buscar auxílio e, principalmente, lembram-se daqueles que vinham no meio da noite. Lembram-se também daqueles casos mais dramáticos, como, por exemplo, quando um senhor ensangüentado apareceu na casa procurando pelo Rev. e somente uma das filhas encontrava-se lá.
O Rev. era discreto e reservado e raramente contava casos sobre as famílias que atendia. Somente ficamos sabendo de algumas histórias com as quais lidou depois que ele morreu porque as pessoas vinham nos contar a respeito.
Um pouco antes de falecer, ele contou a uma das filhas – sem mencionar nomes, lugares ou datas – que uma vez ele havia comprado o caixão de uma criança porque a sogra japonesa não queria comprá-lo devido ao fato de a nora não ser descendente de japoneses.
Outro caso que ficamos sabendo foi de uma senhora que contou para ele que vinte anos antes ele havia aparecido em sua casa para uma visita pastoral cinco minutos antes da hora em que ela havia planejado cometer suicídio.
Essa vida pública perdurou até depois de sua aposentadoria. Até mesmo nós, os netos, nos lembramos das vezes em que ele saía, logo depois do almoço de aniversário dele próprio, para ir a alguma das várias associações das quais ele era membro, enquanto a família ainda estava reunida na casa dele. Sua agenda continuou repleta de compromissos com a comunidade até o fim de sua vida.
Meu avô morreu serenamente, da mesma forma como viveu. No dia 8 de fevereiro de 1992, ele tomou banho ao meio dia, comeu umas uvas e disse que estava muito cansado e que iria tomar uma soneca. Ele faleceu em seu sono como uma vela que se apaga ao fim do seu pavio.
Na Missa de 7º Dia do seu falecimento minha avó me disse que ele havia vivido longa e plenamente. Tenho certeza de que ela quis dizer que não era para ficarmos tristes, pois ele havia cumprido sua missão na Terra e morreu feliz e em paz.
Mais uma vez, em nome da Família Kaneko, eu gostaria de agradecer a esta comunidade por esta ocasião de relembrar a vida do meu avô e os primórdios da missão em Londrina e por poder celebrar os 70 anos da chegada da Igreja Episcopal Anglicana nesta cidade.
Que a paz esteja com todos nós!

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