Esta narrativa de Marcos tem como núcleo a
proclamação de Jesus: "Um profeta só não é valorizado na sua própria
terra". É a sua rejeição pelos frequentadores da sinagoga e por seus
familiares. É uma ruptura com as tradicionais estruturas
sociorreligiosas de parentesco do judaísmo, que se afirma como povo
eleito a partir dos vínculos carnais de consanguinidade, comprovados por
genealogias.
Já João Batista em sua pregação advertia: "Produzi
fruto de arrependimento e não penseis que basta dizer: 'Temos por pai
Abraão'". Com Jesus a família fica caracterizada pela união em torno do
cumprimento da vontade do Pai.
No evangelho de Marcos, esta é a terceira e última
vez que Jesus vai a uma sinagoga, cada vez tendo ocorrido um conflito
com os chefes religiosos. Jesus exerce seu ministério na Galileia e
territórios gentílicos vizinhos, tendo a "casa" como centro de
irradiação da missão.
Percebe-se, bem, como os evangelhos deixam
transparecer a dificuldade que os discípulos, e os demais que conviveram
com Jesus, tiveram em compreender sua identidade. Quem é Jesus? Durante
cerca de trinta anos Jesus viveu com sua família, na Galileia, sem nada
excepcional que chamasse a atenção sobre sua pessoa. É o Filho de Deus
presente no mundo, em comunicação com as pessoas, certamente de maneira
humilde, digna e com amor. É a condição humana, na simplicidade do dia a
dia, que é valorizada pelo Pai, o qual, em tudo que nela há de bom,
justo e verdadeiro, a assume no seu amor e na sua vida eterna.
Após ser batizado por João, Jesus durante cerca de
três anos passa a revelar ao mundo este projeto vivificante do Pai. É o
Reino de Deus presente entre nós. Ao fazer, com sabedoria, o seu anúncio
profético do Reino, seus conterrâneos se admiravam, mas não o
valorizaram, pois sempre o conheceram na sua simplicidade de
carpinteiro, filho de Maria. Esta reação do povo indica que Jesus não
tinha nenhuma origem davídica, pelo que, se fosse o caso, seria exaltado
por todos.
O judaísmo tinha uma expectativa messiânica segundo a
qual um dia viria um líder que, com carismas especiais, conduziria a
nação judaica e a elevaria a um status de glória, riqueza e poder acima
das demais nações. Era um ungido (messias, do hebraico; cristo, do
grego) à semelhança de Davi, ungido rei, que, segundo a exaltação da
tradição, teria criado um glorioso império, o que foi incorporado na
memória do povo. Ao longo do ministério de Jesus, os seus discípulos de
origem do judaísmo começaram a ver nele este messias poderoso. Esta
falta de compreensão foi frequentemente censurada por Jesus.
O crer em Jesus é ver, na sua humildade e em seus
atos de amor, a presença de Deus, cumprindo a vontade do Pai de
comunicar a vida aos empobrecidos e marginalizados, os quais são
assumidos como filhos, em Jesus. O verdadeiro ato de fé é ver Deus,
despido de poder, vivendo entre nós, humildemente, na plenitude do amor.
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