Agrotóxicos: um mercado bilionário e
cada vez mais concentrado
Seminário
realizado na Anvisa mostra o processo de concentração da produção e
comercialização de insumos agrícolas. Pesquisador alerta para risco à soberania
nacional.
A
reportagem é de Raquel Júnia, publicado na Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), 18-04-2012.
O
mercado mundial de agrotóxicos movimentou US$ 51,2 bilhões em 2010. E o
brasileiro US$ 7,3 bilhões. As seis maiores empresas - Basf,
Bayer, Dow, Dupont, Monsanto
e Syngenta - controlam hoje 66% do mercado mundial. E, no
Brasil, as dez maiores empresas foram responsáveis por 75% da venda nacional de
agrotóxicos na última safra. As gigantes do setor estão comprando as empresas
menores, tanto de agrotóxicos, quanto de sementes, formando monopólios e
oligopólios. Os dados foram apresentados no 2º Seminário Mercado de
Agrotóxicos e Regulação, realizado pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), no dia 11 de abril, com a palestra do
professor da Universidade Federal do Paraná Victor Pelaez.
Segundo
o pesquisador, que também é coordenador do Observatório da Indústria de
Agrotóxicos, a tendência é de que as grandes empresas continuem
adquirindo as pequenas. "Existe um ciclo vicioso porque para baixar os
preços é preciso produzir em escala maior, e, portanto, as menores empresas não
têm condição de se manterem no mercado com os preços menores. Por isso cada vez
o mercado se concentra mais", explica.
Victor
avalia que se por um lado esse processo de concentração representa um risco
para as condições de concorrência do mercado e ainda evidencia o poder
econômico e político das empresas, por outro revela também uma resposta
da indústria a uma maior exigência das agências reguladoras quanto à segurança
na produção e comercialização de venenos. "A trajetória tecnológica nesse
ramo de atividade tem evoluído no sentido de buscar moléculas que tenham um bom
desempenho agronômico, também combinado com um menor impacto ambiental e à
saúde, com substâncias menos tóxicas. Os organismos regulatórios tendem a ser
mais exigentes à medida que se desenvolvem novos métodos de análise, inclusive
exigindo que alguns produtos sejam eliminados do mercado. Quem tem condição de
atender a essas exigências regulatórias são essas grandes empresas. Isso está provocando
uma tendência a maior concentração", observa.
Para
Pelaez, apesar de haver essa evidência positiva de um maior
controle das agências reguladoras, o quadro é preocupante, pois as empresas
passam a controlar cada vez mais também os alimentos que as pessoas vão
consumir. "Essa dependência a um número muito pequeno de empresas que
produzem sementes e todos os insumos é extremamente arriscado para a soberania
de qualquer país, não só do Brasil. Essas empresas controlam também o comércio
internacional de grãos e definem em primeira instância as políticas agrícolas e
alimentares de grande parte do planeta", alerta.
O
professor mostrou durante a apresentação que quase todas as grandes corporações
do ramo de agrotóxicos adquiriram empresas de sementes nos últimos anos. E
aquelas que não participam desse esquema acabam ficando de fora do mercado.
"Ao vender para o agricultor, a empresa faz o pacote com a semente e o
agrotóxico junto, com uma série de facilidades. Isso dá uma competitividade
fantástica às empresas que conseguem ter esse portfólio de produtos. É o que
chamamos de economia de escopo. Elas podem dar um desconto grande num produto e
ganhar dinheiro em outro produto, e com isso vai faltando espaço e recursos
para as empresas que não tiverem essa estratégia", detalha.
Dificuldade
de informações
No
final do ano passado, a Comissão de Seguridade Social e Família da
Câmara dos Deputados aprovou um relatório sobre os impactos dos
agrotóxicos na saúde. O texto aborda inúmeras evidências dos malefícios desses
venenos e da falta de controle na utilização dos produtos. Dentre as inúmeras
recomendações do documento, está a necessidade de melhoria das informações
repassadas pelas empresas aos órgãos de fiscalização.
O
tema também apareceu no seminário. De acordo com Pelaez, os
dados informados pelo setor regulado à Anvisa, ao Ministério
da Agricultura e ao Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsáveis pela fiscalização
dos agrotóxicos, são divergentes. "As empresas não têm um controle muito
rígido no atendimento dessa demanda. E, por outro lado, é uma demanda que exige
muita atenção e cuidado na leitura do manual de preenchimento dos formulários
online e também um esforço e trabalho criterioso no preenchimento das informações.
O que percebemos em grande parte é uma desatenção e uma falta de cuidado nesse
sentido. E os sistemas têm alguns critérios diferentes que fazem com que a
empresa não consiga aportar exatamente os mesmos dados", avalia o
professor.
O
pesquisador acrescenta que tanto as empresas, quanto os órgãos públicos
deveriam se esforçar para aprender a usar os sistemas e para aprimorá-los. Ele
reforça que o ideal é que existisse um único sistema de informações sobre a
produção, comercialização e utilização de agrotóxicos. "O Ministério
do Meio Ambiente não disponibiliza os dados. Portanto, se os órgãos
não conseguem ter acesso aos dados uns dos outros, fica difícil. A Anvisa
se viu obrigada a criar um terceiro sistema de coleta de dados, mas o
racional seria um único sistema", opina.
Controle
Além
das dificuldades no acesso às informações sobre o mercado de agrotóxicos, outro
problema é a falta de estrutura dos órgãos de fiscalização brasileiros.
Enquanto nos Estados Unidos a Agência de Proteção
Ambiental (EPA) tem 850 técnicos, a Anvisa tem 26 e
somados os profissionais do Ibama e do Ministério da
Agricultura não chega a 50 o número de técnicos responsáveis por essa
fiscalização. "É absurda a diferença considerando que nós temos um mercado
que é 10% maior do que o mercado americano", comenta Victor.
Outra
diferença do Brasil em relação aos Estados Unidos
são os valores pagos pelo registro e reavaliação dos agrotóxicos. No Brasil, o
custo para registro varia entre 50 e mil dólares. Já nos EUA, esse valor chega
a custar 630 mil dólares. A reavaliação e a manutenção anual não são cobradas
no Brasil e nos Estados Unidos as empresas precisam pagar 150 mil dólares em
caso de reavaliação e de cem a 425 dólares para manutenção anual.
Segundo
Pelaez, são esses montantes que arcam com a estrutura de
funcionamento da fiscalização nos Estados Unidos. "Nos EUA, conseguiram
fazer com que a indústria arque com esse valor que gira em torno de US$ 14
milhões. Esses recursos são destinados para financiar programas de treinamento
de agricultores e uma política mais consistente de redução do risco da
utilização dos agrotóxicos. Para ter mais celeridade, maior segurança e melhor
qualidade no processo, alguém tem que pagar por isso, e aqui no Brasil é a
sociedade que paga. As empresas são, inclusive, isentas de IPI
e têm isenção de até 60% de ICMS", aponta.
Representantes
das empresas presentes no seminário criticaram a demora da Anvisa em conceder
registros de novos produtos, o que, segundo o presidente da Agência, José
Agenor da Silva, de fato é uma realidade devido, entre outros motivos,
à falta de estrutura da Agência. Por outro lado, José Agenor e
Pelaez comentaram que muitas vezes as empresas conseguem o
registro, mas não concretizam a fabricação do produto, o que torna a reclamação
contraditória. De acordo com os dados apresentados no seminário, metade dos
produtos com registro no Brasil não chegam às mãos dos agricultores. Além
disso, 24% das empresas instaladas no Brasil não produziram nem comercializaram
nenhum produto durante a última safra. "As empresas estão sempre
desqualificando o trabalho da Anvisa porque ela não consegue cumprir as
demandas de registro. Dizem que, ao não cumprir essa demanda, está sendo contra
a agricultura nacional. Mas aí mostramos que não é bem assim, porque uma
quantidade de produtos são aprovados e não são comercializados, porque não há
recursos para isso", observa o professor.
Pelaez
defende a existência de critérios de prioridade para concessão de registros.
Ele explica que a fila hoje é por ordem de chegada, o que ignora uma série de
procedimentos fundamentais em um processo regulatório. Segundo o pesquisador, a
Anvisa já divulgou essa proposta de elaboração de critérios
para a fila de registro e recebeu resposta favorável de alguns setores do
empresariado. "Estabelecendo prioridades podemos começar a pensar onde há
um gargalo e se há possibilidade de incluir produtos menos tóxicos",
detalha.
Agricultores
à mercê das empresas
Os
dados sobre o mercado mundial de agrotóxicos apresentados no seminário revelam
que esse comércio e o modelo de agricultura que o sustenta não mostram sinais
de enfraquecimento. De 2000 a
2010, este mercado cresceu 190% no Brasil e 93% no mundo. Durante a ultima
safra (segundo semestre de 2010 e primeiro de 2011), foram produzidos 833 mil
toneladas de produtos em 96 empresas analisadas, do total de 130 cadastradas no
país. A América Latina detém 22% do mercado mundial de
agrotóxicos, sendo que o Brasil, sozinho, é responsável por uma fatia de 19%.
Para
Pelaez, é fundamental discutir qual modelo de agricultura o
país quer manter. "Esse modelo de agricultura não esteve aí sempre, não é
a ordem natural das coisas como tentam colocar como sendo inevitável e
irreversível. Pelo contrário, são escolhas econômicas e políticas que vão acontecendo
ao longo do tempo. E lógico, depois de algumas décadas, passa a ser o modelo
dominante", diz.
O
professor caracteriza o modelo hegemônico na agricultura mundial como altamente
excludente e dependente de subsídios do poder público. "Tentativas de implantação
desse modelo agrícola na África, em alguns países que não tinham recursos
financeiros para subsidiar, fracassaram. A indústria de sementes, agrotóxicos e
fertilizantes na verdade é subsidiada pelas populações em geral, dado o custo
elevadíssimo", explica.
Embora
o quadro de concentração das empresas de agrotóxicos e sementes tenda a se
intensificar na avaliação do pesquisador, as contradições dessa estratégia e os
prejuízos para os próprios agricultores e para o país também estão se tornando
cada vez mais evidentes. Pelaez dá o exemplo da empresa
Monsanto, que aumentou recentemente em cinco vezes o preço da semente
resistente ao agrotóxico glifosato, ambos - agrotóxico e semente - produzidos
pela empresa. "Essa era a crônica da morte anunciada. Essa combinação que
a Monsanto faz do glifosato com a semente resistente ao
glifosato possibilita esse aumento de preços fantástico. Agricultores gaúchos
que sempre foram extremamente favoráveis à difusão da soja transgênica
resistente ao glifosato entraram com uma liminar contra o pagamento desses
royalties. Isso é surpreendente porque eles sempre foram os grandes aliados
desse modelo e agora estão sendo vítimas do que sempre defenderam. Isso mostra
como o risco está presente", alerta.
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