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quinta-feira, 15 de março de 2012

A doença do carreirismo e do esteticismo eclesiástica - José Lisboa Moreira de Oliveira - Adital


Um amigo leu meu artigo sobre a saúde na Igreja e me escreveu o seguinte: "Recebi o texto seu sobre a saúde na Igreja. É isso mesmo. Esperava que você falasse da doença do carreirismo, que é uma peste na Igreja; e da doença do esteticismo... Que tal um segundo artigo sobre a saúde?”. Resolvi acolher a ideia desse meu amigo e refletir sobre outro aspecto da doença que, no momento, corrói a credibilidade de nossa Igreja.

O carreirismo e o esteticismo eclesiásticos nasceram com o próprio cristianismo. Os Evangelhos já registram episódios incríveis, deixando entender que essa praga já afetava seriamente as comunidades cristãs nascentes. Embora Jesus tenha proposto um caminho diferente, o grupo de discípulos não conseguiu se libertar dessa tentação. Por isso, enquanto viviam com o Mestre, já se mostravam infectados por esta triste doença.

Alguém poderia perguntar qual a razão disso. Como explicar que já no grupo dos doze apóstolos o carreirismo e o esteticismo estivessem presentes? Hoje, com a ajuda das ciências, particularmente da Psicologia, é fácil entender o porquê desse comportamento. Trata-se da síndrome do homem-camaleãoque afeta praticamente toda a humanidade. O ser humano almeja ser grande e ter poder. Até aqui nenhum problema. As coisas começam a se complicar quando, para ser grande e famosa, para ter poder, a pessoa passa a viver numa acomodação contínua. Isso a leva a ser um transformista plasmável e perene, mudando continuamente, de acordo com as circunstâncias. Sendo um transformista perene, o carreirista é alguém inseguro, uma vez que não tem nada de sólido e de concreto para se apoiar. E por sentir-se inseguro, o carreirista vive numa busca exasperada de futuro, de projeção, de fama e por isso faz qualquer coisa.

O carreirista não tem identidade própria, não tem projeto de vida, não tem raízes, não cultiva um sentido para a sua vida. Nele não há intencionalidade e nem educação da vontade. Pra ele vale tudo, desde que consiga ficar na "crista da onda”. Por essa razão é também alguém sem criatividade, apático, monótono e sem perspectiva de futuro, uma vez que o mais importante para ele é o momento presente. Amanhã será um novo dia e, se for preciso para manter a fama e o sucesso, ele poderá mudar completamente de atitude e de opinião. O carreirista esteticista sofre também daquilo que a Psicologia chama de síndrome de Jonas.É alguém que tem medo da liberdade e tem ciúme de quem é livre. Portanto, alguém invejoso e ciumento. Além disso, tem medo da verdade e, por isso, vive sempre negando o óbvio e o real.

O tipo carreirista esteticista foi muito bem retratado em Zelig, um antigo, mas belíssimo, filme em preto e branco do grande diretor Woody Allen. No filme o personagem Leonard Zelig está sempre se transformando, de acordo com as circunstâncias e as pessoas que o cercam. É o homem-camaleão que não tem personalidade própria. Além de mimetista, é um escravo, uma vez que nunca é ele mesmo. Vive sempre fugindo, falhando, representando, usando máscaras e disfarces. Assim, não tem passado, nem presente e não terá futuro.

Mas voltemos ao carreirismo e ao esteticismo eclesiásticos. Como dizia antes, a obsessão pelos lugares de honra e pelos títulos honoríficos de excelência e de eminência, pelo uso das roupas com longas franjas, pelas largas faixas purpuradas, pela reverência pública, é tão antiga como o próprio cristianismo. É o que nos relatam sem meios-termos os Evangelhos (Mt 23,5-7; Lc 14,7-14). Hoje essa praga é agravada pela prevalência daquilo que Bauman chama de "cultura de cassino”: as pessoas querem apenas "jogar” e jogar para ganhar. Por isso se reúnem em alguns lugares e em torno de alguém que comanda o jogo. E, na tentativa desesperada de ganhar o jogo, agem sem responsabilidade, sem ética e sem nenhum compromisso com os outros. No caso dos eclesiásticos, a Igreja se torna uma simples prateleira onde eles se mostram e se exibem e querem ser aplaudidos. A falta de discernimento sério no acompanhamento vocacional e nos seminários tem contribuído significativamente para que esse tipo de pessoas chegue, em número cada vez maior, ao ministério ordenado.

As consequências do carreirismo e do esteticismo são muitas e trágicas. Menciono apenas algumas delas. Em primeiro lugar a disputa pelo poder. Todos os carreiristas querem o primeiro lugar; almejam até mesmo colocar-se no lugar de Deus. Para alcançar esse objetivo travam uma verdadeira batalha e não hesitam passar por cima daqueles que atravessarem seu caminho (Mc 10,35-45). Recentemente tivemos um exemplo disso quando ficamos sabendo das disputas internas dentro do Vaticano. Briga-se inclusive pelo papado, estando o atual papa ainda vivo.

Uma segunda consequência é a falta de coerência e o contratestemunho. Os carreiristas "falam e não praticam. Amarram pesados fardos e os colocam no ombro dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer com um dedo” (Mt 23,3-4). Toda a preocupação deles não é com o serviço ao povo, mas com o exibicionismo: "Fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros” (Mt 23,5). Ora, como nos disse profeticamente Paulo VI, a evangelização se dá sobretudo através do testemunho. Faltando coerência e sobrando exibicionismo o anúncio da Boa Notícia se transforma em escândalo.

Podemos elencar ainda como consequência do carreirismo e do esteticismo a hipocrisia, a qual consiste em fingir, em fazer de conta, em aparecer do jeito que na verdade não se é. A hipocrisia seduz as pessoas e as engana e, por isso, as impede de entrarem na dinâmica do Reino de Deus (Mt 23,13). Além disso, o carreirismo e o esteticismo, revestidos de falsa religiosidade, exploram e roubam os pobres. Estes, acreditando nos eclesiásticos, terminam por entregar-lhes até mesmo o que não possuem (Mt 23,14). Não é isso que fazem hoje certos padres milagreiros e certas televisões ditas católicas? Toda a sua "estética” é mantida com o dinheiro extorquido do pobre, que deixa muitas vezes de comprar o pão e o leite para os filhos, a fim de mandar ajuda para os opulentos e ricos pregadores das igrejas eletrônicas.

Por fim, para não prolongar a lista de consequências, podemos falar da transformação do serviço emdominação. Chamados a servir o povo, os carreiristas esteticistas terminam por dominá-lo, usando os mesmos métodos dos tiranos deste mundo (Mc 10,42). Querem o título de senhor, de mestre, de pai, quando Jesus foi muito incisivo em afirmar que somos todos irmãos (Mt 23,8). Tinha, então, razão aquele meu professor da Gregoriana em Roma, o qual, respondendo à pergunta de um aluno sobre o perigo dos heréticos, disse taxativamente: "Os piores inimigos da Igreja não são os heréticos, são os carreiristas”.


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